Análise | Poder e Política

As fake news, o ódio na internet e como ser um alvo sem ter nada a ver com a história

Eu, jornalista mineira, fui confundida com homônima da Folha de S. Paulo e sofri ataques de apoiadores do candidato Bolsonaro na internet.

No dia 26 de setembro, o site da Folha de S. Paulo divulgou uma matéria sobre a ex-mulher do candidato à Presidência Jair Bolsonaro e o fato de ela ter sido ameaçada por ele no passado. Apoiadores do candidato se revoltaram com o teor da reportagem, chamando-a de fake (ainda que tivesse sido publicada com base em documentos do Itamaraty), pois a ex-mulher em questão foi a público negar o caso. O humorista Danilo Gentili tuitou sobre essa história toda, dando “a dica” de que sempre se deve procurar quem é a autora da notícia, apontando para o fato de que um dos responsáveis pela matéria, a jornalista Marina Dias – minha homônima de nome e profissão, digamos – é filha de José Américo Dias, que ocupou a secretaria nacional de comunicação do PT.  

O post de Gentili foi a chama que os internautas sem escrúpulos precisavam para começar uma caça à bruxa. E encontrar a bruxa errada. Um perfil do Twitter puxou a minha foto na internet e fez uma montagem com as informações da jornalista da Folha. Essa imagem havia sido retuitada 600 vezes até às 5h da manhã do dia 27, quando eu tomei conhecimento do caso. Outra pessoa, na mesma thread – aquela iniciada por Gentili -, publicou meus dados pessoais. E outras centenas xingaram a Marina Dias (qual delas?) de vagabunda, cadela de rua, puta, entre outros nomes. No Facebook, um único perfil já tinha gerado 50 mil compartilhamentos quando eu finalmente consegui pedir para essa pessoa retirá-lo, pois se tratava de fake news.

É até difícil dar dimensão para o que aconteceu, considerando que os ocorridos são absurdos em tantos níveis. A começar pela busca de um alvo, da jornalista, para jogar aos leões da internet – e, sabe-se lá, aos da vida real também. Em seguida, o fato de que execrar nas redes tem mais valor do que garantir que o alvo seja o correto (ainda que ninguém devesse ser alvo desse tipo de ataque e ameaça). Eu, meus familiares, amigos, colegas pedimos para vários perfis do Facebook retirarem o post. Uma das pessoas que compartilharam minha foto, ao ser avisada de que aquela jornalista não era da Folha, respondeu, questionando: “mas tem os mesmos princípios que ela?”

O ódio presente nos comentários não me chocou tanto, pois quem acompanha notícias publicadas em sites vê repostas com teor parecido diariamente. A aparente anonimidade que a internet proporciona dá força a esse tipo de comportamento. A falta de apreço pelo fato, por garantir que o que se repassa tem fundamento, é o que mais me deixou atônita. Já são milhares de pessoas repostando minha foto. Uma delas, quando eu pedi para retirar o post, me respondeu que ele “veio da internet”. Como se a entidade “Internet” fosse única, fosse origem de algo, fosse responsabilizável. E como se retirasse dessa pessoa a responsabilidade de ter repassado uma mentira.

A “Internet”, as redes sociais, tiveram papel essencial em pulverizar a origem da informação e dar espaço e forças às pessoas comuns nesse papel de produtores e distribuidores de notícias. Mas a noção da responsabilidade que é gerar ou divulgar a informação não acompanhou esse processo. A informação está tão capilarizada que ninguém se interessa pela origem. Mas também não se importam com isso. Se vale para ajudar o candidato, independentemente de quem seja, ótimo. E se a pessoa tem a chance de xingar alguém de cadela pelo caminho, melhor ainda.

 

Marina Dias

Jornalista formada pela UFMG



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