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As políticas de Anitta

Uma das artistas-celebridades brasileiras mais famosas dos últimos anos, Anitta sempre conteve sentidos políticos em sua imagem, conscientemente ou não. Se antes fugia constantemente da questão, na crise dos dias de hoje parece abraçá-la.

Foto: Egberto Nogueira / VEJA

Completando sete anos de carreira, com mais altos do que baixos, pode-se dizer que Anitta é uma das grandes celebridades do panteão brasileiro. Sua persona pública é, desde o início, retroalimentada por sua vida pessoal, desde valores de superação e empoderamento até namoros, gafes e desafetos famosos. Recentemente, virou notícia quando reconheceu publicamente a própria ignorância quando o assunto é política, recebendo elogios e até ameaças. Sua amiga, a advogada-tornada-celebridade Gabriela Prioli, tratou de ensinar-lhe os fundamentos da democracia brasileira, as divisões e incumbências dos Poderes e outras coisas que são raramente abordadas no currículo das escolas, numa live que reuniu 40 mil pessoas simultaneamente. No entanto, engana-se quem pensa que a relação entre Anitta e questões políticas começou por agora.

Desde o início, Anitta mobiliza sentidos políticos em sua imagem pública. Seu primeiro hit, o funk-pop “Show das Poderosas”, em 2013, advogava um “empoderamento” feminino em que a mulher era confiante e assumia uma postura ativa e combativa na própria vida, elevando a autoestima feminina, tão bombardeada em várias esferas sociais todos os dias. Retomando o protagonismo feminino no funk, terreno desbravado por ícones como Tati Quebra Barraco, Deize Tigrona e Valesca Popozuda nos anos 2000, a música ajudou a pautar questões feministas para uma audiência mais ampla.

E como toda diva pop que se preze (e que sabe se vender), Anitta começou a atrair o público LGBT para sua fã-base; o ápice desse relacionamento foi em 2017, no feat com a cantora drag queen Pabllo Vittar. Não à toa, no biênio 2017-2018, a cantora foi o destaque da Parada do Orgulho LGBT em São Paulo, uma das maiores do mundo. Em ambas as ocasiões não poupou palavras e exerceu o papel de aliada da luta: “[Estou] apenas apoiando a causa LGBTS que tanto amo e sou grata”; “Espero poder sempre usar minha força para levantar a bandeira da liberdade, do respeito e da coragem a todos os cidadãos independente de sua orientação sexual”. Indagada sobre o conteúdo político de sua arte, reconheceu o papel de provocadora: “Tudo é para gerar debate, induzir uma discussão saudável. Gero debate, mas usando o entretenimento”. Continuou nessa linha ao lançar “Vai Malandra”, no verão de 2018: expôs suas celulites com orgulho, buscou mostrar um lado das favelas sem estigma e catapultou para a fama estrelas das comunidades, como o modelo Pietro Baltazar e a funkeira Jojo Todynho.

O primeiro golpe viria logo, durante as eleições de 2018. Cobrada por seus públicos para participar do movimento de repúdio ao então candidato Jair Bolsonaro, Anitta não pensou duas vezes antes de sair pela tangente. Alegou que sua arte “não era política” e que não queria se envolver na polarização entre esquerda e direita, causando um cisma na composição de sua imagem pública que se arrastou por duas semanas, até finalmente ceder e publicar um vídeo insosso de repúdio a Bolsonaro. Foi acusada de oportunista e falsa aliada de movimentos feministas e LGBT, uma mancha que ainda persiste em sua imagem.

O interesse de Anitta pela política não surpreende aqueles que acompanham sua trajetória. No entanto, fica visível a quais políticas Anitta escolhe se aliar. Se, no início dos anos 2010, as lutas LGBT e feministas estavam conquistando espaço no debate público e aproveitando uma “aceitabilidade” generalizada, hoje os tempos são outros. Nos momentos de embate e crises de polarização política, essas lutas adquirem um aspecto mais combativo do que celebratório, tornando-se pautas desconfortáveis e revelando quem são seus verdadeiros aliados. Nesse sentido, Anitta pode estar tentando correr atrás do tempo perdido, como vocaliza parte de seus críticos. Porém, convém lembrar sua natureza célebre: se Anitta decide se engajar publicamente na política, isso não passa despercebido; gerando admiração ou repúdio, esses debates acabam por emergir na cena pública. E se a cantora de Honório Gurgel conseguiu gerar desconforto nos planaltos áridos de Brasília, é sinal de que está surtindo algum efeito.

Pedro Paixão, graduando em Jornalismo pela UFMG e integrante do Gris



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