Análise | Poder e Política

A disciplina sobre o golpe e a ciência

A proposta de oferta de uma disciplina na UNB sobre o golpe de 2016 movimentou o noticiário nacional. Reações descabidas do governo e manifestações de apoio em várias universidades brasileiras colocaram este acontecimento na pauta do dia. De que maneira esse acontecimento e os posicionamentos sobre ele nos fazem pensar sobre o papel das universidades públicas, a importância da educação política da nossa sociedade e esse suposto status de verdade atribuído ao meio científico?

Temer e o ministro da educação, Mendonça Filho. Foto: Lula Marques / Agência PT.

No início do 1º semestre letivo de 2018, a oferta de uma disciplina no curso de Ciência Política da Universidade de Brasília (UNB) agitou o governo atual, pautou o noticiário e as conversas sobre política entre as pessoas. Trata-se de uma disciplina com o nome “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”.

O acontecimento se dá em um contexto político polarizado, em que a população brasileira se encontra sensível às questões políticas e sociais colocadas por ações do governo atual. Um momento em que se observa o surgimento de fortes posicionamentos conservadores na nossa sociedade e a perda de vários direitos sociais no país. Também é importante destacar que este acontecimento emerge no início de um ano eleitoral, quando teremos a primeira eleição presidencial após a saída de Dilma Roussef. Pode-se dizer que todo este contexto se coloca como um terreno bastante fértil para que a oferta dessa disciplina movimentasse todo um debate sobre a questão política dentro das universidades brasileiras.

Mas, para além da discussão mais direta sobre as implicações dessa disciplina na universidade pública e sobre a reação descabida do governo federal, o acontecimento ilumina alguns pontos que merecem atenção. Com o debate sobre a pertinência ou não da oferta dessa disciplina, muitos discursos são acionados. Pessoas alinhadas politicamente à direita criticam o “uso da universidade” para disseminar ideologias de esquerda. É interessante ouvir até mesmo de alguém de esquerda, como o professor Francisco Foureaux, que este acontecimento aponta para uma falta de autocrítica por parte da militância de esquerda, já que o nome da disciplina estaria claramente definindo um posicionamento dentro da sala de aula, eliminando possibilidades de pontos de vista divergentes e, dessa forma, deixando de ser orientada pelo rigor científico e pela metodologia acadêmica que deve ser primada dentro das universidades.

Neste ponto, observamos como o discurso científico e o lugar de fala da ciência aparecem com uma força de “verdade absoluta”. Convoca-se uma objetividade para a atividade científica, uma imparcialidade e uma isenção inquestionáveis. A fala ressalta que a universidade é o lugar da ciência como método objetivo. Será?

Nas palavras provocativas da professora Mara Telles, “o curso ‘golpe’ é um curso político e partidário, dizem alguns que acusam a disciplina de ser propaganda lulopetista. Pode até ser, mas eu só fico no meu camarote pensando por que as pessoas ‘científicas’ usam o termo ‘lulopetismo’ e acham que o uso deste conceito igualmente ideológico as faz mais cientistas do quem usa a palavra ‘golpe’. Ciência. Rá!”

O acontecimento acaba por revelar que refletimos pouco sobre qual o papel da universidade na formação do pensamento e menos ainda sobre o que é, de fato, o fazer científico. As escolhas conceituais, recortes, olhares, tudo isso é perpassado por ideologias, vieses que estruturam o pensamento de qualquer ser humano. Cientista ou não.

Maíra Lobato
Mestra em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do GrisLab



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