A análise tenta mapear possíveis pontos de interseção e de distinção entre as manifestações de 2013 e os recentes protestos de 2016. Apesar de contarem com alguns elementos em comum, os dois cenários estão inseridos em realidades bem distintas. Por outro lado, o que não muda é a predominância das narrativas rasas – que insistem em acionar debates superficiais que já deviam ter ficado para trás.
Povo na rua. Pressão popular. Gritos de ordem. Confronto, repressão e vítimas. Por estes elementos, pode-se afirmar que a descrição relata o que se viu durante a onda de protestos de 2013 e que ficou conhecida, no Brasil, como as “Jornadas de Junho”. Por outro lado, as mesmas características compõem a narrativa sobre as manifestações que ocorreram três anos depois, em setembro de 2016, contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff e pela saída de Michel Temer do poder.
De fato, há pequenas semelhanças entre as duas ocasiões: a presença da internet como fator mobilizador, a ação direta black bloc, a intervenção da Polícia Militar. Também assim como em 2013, inocentes ficaram gravemente feridos neste ano. E, infelizmente, da mesma forma como ocorreu naquela época, houve gente que se sentiu feliz com isso.
A tentativa de encontrar pontos em comum entre os dois momentos tem uma explicação. Conforme nos explica Quéré (2000, 2005), sempre que um acontecimento irrompe, temos a tendência de resgatar fatos semelhantes como o intuito de minimizar a estranheza que o evento causa na vida social. Mas é preciso ter cuidado ao acionar pontos convergentes entre as manifestações de 2013 e 2016.
Os protestos de antes e os de agora estão inseridos em realidades bem distintas. Há três anos, brasileiros dos mais diferentes grupos e agendas explanavam nas ruas suas insatisfações sociais. Neste ano, o leque de reivindicações é mais enxuto: são protestos bem delimitados contra o impeachment de Dilma e a ascensão de um governo considerado ilegítimo e golpista.
Além disso, em 2013, o apoio massivo às manifestações e o alcance nacional foram incontestáveis. Ao mesmo tempo, a queda na popularidade de Dilma Rousseff fez com que o governo da petista fosse aproveitado, instrumentalizado pela oposição e por movimentos de direita.
Já em 2016, as manifestações tiveram menor adesão. Michel Temer, apesar de ser um político ficha-suja, não é perseguido por aqueles mesmos grupos que culpabilizaram Dilma e materializaram, em seu mandato, as queixas populares.
Os protestos deste ano podem parecer não ter o mesmo fôlego dos que ocorreram em 2013. No entanto, a relativa semelhança na reivindicação dos que foram às ruas agora talvez possa originar deliberações mais concretas. Ainda não se sabe. Resta esperar.
O Brasil de 2016 não é o mesmo de 2013. As reivindicações também não. É, portanto, arriscado fazer projeções sobre possíveis desdobramentos. Mas o que já podemos fazer é ultrapassar a dualidade rasa que tomou conta das narrativas sobre as Jornadas de Junho. Acionar o binarismo vândalos X manifestantes pacíficos é resgatar um recurso discursivo que já devia ter ficado para trás. E é triste ver como muitas das narrativas midiáticas ainda insistem em não querer avançar no debate.
Referências bibliográficas
QUÉRÉ, Louis. Entre facto e sentido: a dualidade do acontecimento. In: Trajectos. Revista de Comunicação, Cultura e Educação, N° 6 . Lisboa, ISCTE, Casa das Lestras, 2005.
______. L’individuation des événements dans le cadre de l’expérience publique. In: BOUDON, P. (org.). Processus du sens. Paris: L’Harmattan, 2000.
Raquel Dornelas
Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFMG
Professora da Universidade de Vila Velha
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de setembro, definido em reunião do GrisLab.