Análise | Diário da Quarentena Movimentos sociais e ativismo Poder e Política

MST e cultura de resistência: visibilidade importa

Como a denúncia internacional e a solidariedade podem ter impedido que um despejo violento se tornasse um massacre.

Charge: Brasil de Fato

A cidade de Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, se assemelha a tantas outras cidades interioranas, marcadas pelos latifundiários, grandes proprietários de terra, que exploram a mão de obra dos trabalhadores para produzir monoculturas. Na região, a característica predominante é a produção de café. Contudo, Campo do Meio, de contradições silenciadas, há mais de 20 anos foi ocupado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST): a primeira fazenda do conhecido Acampamento Quilombo Campo Grande resiste até hoje.

Se a imagem negativa  do MST, construída ao longo dos anos pela mídia corporativa e pelos fazendeiros do latifúndio e do agronegócio, é de um grupo organizado para a destruição, a realidade é que a Escola Popular Eduardo Galeano e as casas e lavouras perdidas pelas famílias, após o despejo recente em meio à maior crise de saúde pública da história do país, produziam conhecimento e alimento. A Polícia Militar de Minas Gerais deslocou um aparato policial que envolveu helicóptero e tropa de choque, desconsiderando os riscos que uma “guerra biológica“, como pondera a Direção do MST, traria para a vida da população local.

Em nota, a Direção Estadual do MST lembra que “mesmo com as violações e perdas, é importante ressaltar que nesse árduo processo a unidade da classe trabalhadora e a solidariedade da sociedade, ao denunciar e se mobilizar contra o neofascismo que se instala em nosso país, foi fundamental para que enfrentássemos os desmandos do Estado de cabeça erguida.”


O despejo no Sul de Minas, a manifestação em frente as lojas Zema em Itatiaiuçu (MG) e o ato em BH em frente ao Palácio da Liberdade. Fotos: Agatha Azevedo

De fato, manifestações em rodovias, em frente à loja Zema e ao Palácio da Liberdade, além das coberturas da imprensa popular e até de veículos tradicionais (quem diria, chamando os trabalhadores sem terra pelo nome de trabalhadores) podem ter evitado um verdadeiro massacre. “A área de 26 hectares inicialmente constadas em processo judicial, que já estavam desocupados, foi ampliada para 52 ha no último despacho da Vara Agrária e a operação policial foi além da determinada pela liminar.” No cenário mais pessimista, o despejo (ainda mais arbitrário que uma decisão judicial, por si só, arbitrária), poderia ter sido conduzido com balas de borracha ou até balas de chumbo, não fossem os holofotes voltados para um dos conflitos agrários mais extensos do MST e do Brasil.

Mas sejamos francos: a violência – como do gás lacrimogêneo lançado pela Polícia em grávidas e idosos, camponeses e apoiadores que resistiram (forçando o aparato repressivo a trocar os turnos de 3 em 3 horas) – não tende a diminuir. A mentira – como a do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, tuitando o pedido de suspensão do despejo, possivelmente por conta da visibilidade que o caso teve – provavelmente prosseguirá. A única vitória possível é a organização cada vez mais eficiente dos movimentos populares, tanto no aspecto da resistência desarmada, com orações e cantigas, quanto no que diz respeito à unidade de classe e ao uso da visibilidade como um instrumento político. 

Ainda é preciso reconstruir as casas de 14 famílias, reerguer a Escola em ruínas e pensar na proteção das famílias contra o coronavírus, que atinge a marca de mais de 114 mil mortes no Brasil, mas é possível dizer que o conflito das 450 famílias que ocupam a usina falida Ariadnópolis circulou o mundo. É importante lembrar que a denúncia e a visibilidade podem salvar vidas. Enxerguemos e façamos ver o sofrimento de quem segue tendo seus sonhos, seus direitos e seus corpos sufocados. 

Precisamos distribuir a terra. Precisamos de ar.

“O amor moveu os telhados sobre minha cabeça
E me fez muito mais que eu.
Me fez povo.
Me fez rebelde.
Um rebelde sem armas.” 

Trecho da poesia ‘De todo amor’, de Julia Iara, do Coletivo de Cultura do MST

Agatha de Souza Azevedo, mestranda em Comunicação Social pela UFMG
Gáudio Bassoli, mestre em Comunicação Social pelo Gris/UFMG



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