Diário da Copa: Fuleco, mascote da Copa no Brasil, desapareceu. E essa não é única ausência sentida. Onde estão também os milhares que tomaram as ruas do Brasil em 2013?
O Fuleco sumiu! Onde está o Fuleco? O mascote da Copa do Mundo de 2014 desapareceu logo na cerimônia de abertura. A ausência foi sentida, já que o simpático tatu-bola vem chamando a atenção dos brasileiros desde a polêmica escolha de seu nome: FUtebol e ECOlogia era a proposta de usar um animal em extinção como símbolo da Copa. Mas pelas notícias recentes, sobrou futebol e faltou ecologia.
A Fifa está sendo acusada de não cumprir os termos do acordo com a Associação Caatinga, que o propôs como mascote. Enquanto figura criada para representar a festa do esporte, o tatu-bola é, em si, a representação de várias características desta Copa no Brasil. Fuleco é o significante que, apesar da tentativa de fixação de sentido em sua imagem, possui vários significados que se confrontam, em um embate permanente que reflete toda a ambiguidade de uma Copa do Mundo no país. Por um lado, é um fenômeno de popularidade (um inglês até me perguntou se o atual hit “Lepo Lepo”, do Psirico, era uma música sobre o Fuleco). Por outro, é mais um caso da atuação da Fifa em território nacional que gerou e gera tantas manifestações pelo país.
Se o Fuleco é a festa, o não cumprimento do acordo da Fifa com a Associação Caatinga é a sujeira varrida pra debaixo do tapete. A festa insistentemente publicizada joga sombras nas manifestações que queriam aproveitar exatamente a sua luz. Mas curiosamente, foi ao tirar o Fuleco dos holofotes que a Fifa provocou a contragosto o questionamento a respeito dos motivos pelos quais o mascote não estaria presente na cerimônia de abertura. A ausência do significante provoca a busca por significados. Por exemplo, onde estão os manifestantes que tomaram as ruas um ano atrás? Esta é uma pergunta tão válida quanto se tivéssemos uma Copa do Mundo sem torcedores ou jogadores. Onde foi parar o que estava aqui há tão pouco tempo?
Os milhares que tomaram as ruas do Brasil em 2013 sumiram no momento mais esperado de brilharem. Os poucos resistentes continuam na luta para quebrar a iconografia de uma “Copa de todo mundo”, mas parecem soterrados por uma multidão que agora opta pelo lado da festa. Foi tudo parar debaixo do tapete? Para além das questões ambientais, o desaparecimento do Fuleco é um acontecimento-chave para a compreensão do desaparecimento de parte do Brasil na Copa no Brasil. Os estádios sem a presença de negros já chamam a atenção da imprensa internacional, assim como produções típicas da culinária dando lugar às bebidas e comidas “oficiais”. A Copa parece ser muito mais da Fifa do que do Brasil. Mas ao mesmo tempo, há algo de nossas particularidades que escapa, rompe com o esperado e cria uma curiosa ambivalência do “Estado Fifa” com o estado de espírito do brasileiro.
Assim como Fuleco reapareceu, aos poucos a complexa relação do país com a Fifa vai se mostrando. Citando Psirico, “agora vou saber a verdade: se é dinheiro, amor ou cumplicidade”. Há muitas coisas que o sorriso do Fuleco não consegue esconder.
Renné Oliveira França
Doutor em Comunicação Social pela UFMG
Pesquisador do Gris/UFMG