A tentativa de alteração na Lei de Acesso à Informação, o corte significativo de bolsas de pós-graduação e as propostas de mudanças na legislação trabalhista mostram que as medidas emergenciais de combate ao coronavírus no Brasil estão cheias de armadilhas e vão no sentido contrário ao da proteção social e da garantia de direitos.
A pandemia do coronavírus levou o Brasil a ter estado de calamidade pública reconhecido e o governo federal a propor uma série de medidas emergenciais. Contudo, algumas delas vão na direção contrária da proteção social e da garantia de direitos, contribuindo para tornar regra o que é exceção; para fragilizar a universidade e a produção científica e para fragilizar ainda mais setores já vulnerabilizados da sociedade.
Aprovada em novembro de 2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI) institucionalizou o dever do Estado brasileiro de garantir o acesso à informação pública de forma ágil, transparente e em linguagem de fácil compreensão. Ela estabelece a transparência como regra e o sigilo como exceção e, para isso, conta com procedimentos e prazos que permitem que a informação seja entregue a quem a solicita.
De 2012 aos dias atuais, a LAI vem enfrentando desafios na sua implementação e passou, logo no início do governo Bolsonaro, por uma tentativa de alteração. Hoje, o governo brasileiro tenta novamente alterar a LAI, por meio da Medida Provisória 928/2020, que busca suspender os prazos de resposta dos órgãos públicos a pedidos de informação, o que, na prática, institucionaliza o descumprimento dos prazos durante o período de pandemia do coronavírus. Coincidentemente, neste mesmo período, uma série de exigências legais e fiscais ao setor público não estão sendo cumpridas — como a necessidade de licitação para contratações —, devido ao reconhecimento de estado de calamidade no país.
Ainda que as duas tentativas de alteração na LAI não tenham sido efetivadas — no primeiro caso o governo recuou e no segundo uma liminar do STF suspendeu as mudanças —, elas revelam uma disposição insistente e perigosa por parte do governo brasileiro para limitar a transparência e restringir o acesso à informação pública, dificultando, por consequência, a fiscalização de atos governamentais, a participação social e abrindo margem para uma atuação desproporcional e arbitrária do Estado.
No dia 18 de março, também em meio à crise do coronavírus, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicou a portaria nº 34, que promoveu corte abrupto de bolsas de pós-graduação de diversos programas de pós-graduação no país, causando um impacto sobre os alunos de baixa renda, sobre os programas e as universidades, e, principalmente, sobre o desenvolvimento científico do país.
Para além da questão da transparência de informações e das bolsas de pesquisa, o governo se utilizou da situação de calamidade pública para atingir trabalhadores e trabalhadoras da iniciativa pública e privada. Desde o começo deste governo o Ministro da Economia estuda uma forma de demitir funcionários públicos concursados de todas as esferas, em especial a federal. Nesse sentido, chegou a propor a PEC 186, conhecida como PEC Emergencial, que propõe a redução salarial e de jornada dos servidores públicos federais, além de atacar a estabilidade dos servidores. O projeto vem sendo citado desde o reconhecimento do estado de calamidade pública. Por ora, a emenda está em análise no senado.
Com relação aos trabalhadores da iniciativa privada, o governo chegou a baixar um medida provisória liberando as empresas de pagarem os salários de seus funcionários por até quatro meses. A justificativa seria de evitar o desemprego em massa que o isolamento social pode gerar. Vários setores da sociedade civil se posicionaram contra a medida, o que fez Bolsonaro recuar e editar esta parte. Agora, ele propôs uma medida que permite redução salarial e de jornada de até 70% (dependendo do cargo e salário) para os funcionários; assim, o governo poderá auxiliar os afortunados que tiverem uma baixa na renda. O empregado terá estabilidade proporcional ao tempo de afastamento. Dias depois, ele anunciou um pacote de crédito para médias e pequenas empresas, além de um benefício para desempregados e autônomos. O valor proposto pelo governo era de R$ 200,00, no entanto, o Congresso Nacional conseguiu aumentá-lo para R$ 600,00 e em caso de mãe solo R$ 1.200,00.
Bolsonaro e sua equipe ampliam ainda mais a crise ao usar essa situação para tentar implementar medidas impopulares e restritivas que, dentre outras efeitos, prejudicam os mais pobres, atingem frontalmente o ensino superior e o desenvolvimento científico e desmontam o Estado e os serviços públicos. Colocando a economia em primeiro lugar, acima inclusive da vida, o presidente mostra a quê e para quem veio.
Cecília Bizerra Sousa, Jornalista, doutoranda em Comunicação (UFMG) e pesquisadora do Gris
Paulo Basilio, Mestre em Comunicação (PUC Minas), professor do UNI-BH e pesquisador do Gris