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Sérgio Moro: saída estratégica e recuperação de protagonismo

A forma como Sérgio Moro saiu do governo Bolsonaro, acusando o presidente de interferência política na Polícia Federal, provoca uma ruptura e uma disputa entre ambos, cujo impacto ainda é difícil mensurar. Claro é que esse acontecimento reconfigura a percepção pública sobre ambos, altera a atuação dos dois no campo político, com consequências imprevisíveis para o país.

Foto: Mateus Bonomi / AGIF

Sérgio Moro fez uma saída estratégica depois de quase 16 meses como ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro. Foi um tempo considerável para uma performance que foi não apenas aquém das altas expectativas de “superministro”, criadas por segmentos políticos e midiáticos quando ele aceitou o ministério,  com a promessa de  “carta branca” para atuar e uma futura vaga no Supremo Tribunal Federal para ocupar. Sua atuação foi também contraditória com a imagem de símbolo nacional do combate à corrupção. Silenciou ou respondeu com evasivas a denúncias de corrupção envolvendo figuras próximas a Jair Bolsonaro, passou a não considerar a prática de caixa dois eleitoral tão grave quanto considerava em seus tempos de Lava Jato.

Ao sair do governo, em 24 de abril, Moro busca recuperar o protagonismo e a própria imagem, inexoravelmente associada, para o bem ou para o mal, ao problema da corrupção e da moralidade pública. Disse explicitamente que precisava preservar sua biografia.  Saiu queixando-se que Bolsonaro não cumpriu a promessa de dar-lhe carta branca e classificou de “ofensivo” o modo como o presidente exonerou o diretor geral da PF, Maurício Valeixo, sem o aval do então ministro da Justiça. Indiretamente, cobrou respeito por parte de Bolsonaro, que ignorou sua autoridade como ministro.

O racha entre ministro e presidente implicou também em uma cisão em suas bases de apoio no campo da direita e extrema direita.  Sérgio Moro sabe que não será fácil a disputa com Bolsonaro em torno das versões sobre sua demissão. Tampouco será fácil recuperar a imagem que tinha antes junto a certos públicos. Ao sair, o ex-ministro foi acusado de traição e deslealdade pelo bolsonarismo, agora ressentido com sua saída acusatória. Não é para menos. A acusação – vinda daquele que era tido como o “fiador” de uma suposta política do atual governo no combate à corrupção – abre um flanco para investigações contra Bolsonaro. De imediato impulsionou uma discussão sobre um possível impeachment, já instalada tanto nas mídias jornalísticas, engajadas na cobertura diária de denúncias contra o presidente, quanto no Congresso Nacional, onde Bolsonaro negocia com os deputados do chamado Centrão para garantir maioria parlamentar.

Ser responsabilizado por impulsionar um impeachment de Bolsonaro pode até ajudar Moro a reconquistar o qualificativo de “corajoso” que a Lava Jato lhe deu e que o período no ministério da Justiça apagou significativamente. Mas ele terá que enfrentar vários obstáculos, entre os quais as ações da tropa bolsonarista.  De “herói” passou a ser acusado por bolsonaristas de “chantagista” e de não ser confiável do ponto de vista ideológico. Também eles lhe dirigem questionamento parecido ao feito por segmentos sociais críticos tanto de Bolsonaro quanto de Moro: por que não denunciou o presidente antes? O próprio Bolsonaro, em seu discurso após a demissão do ministro, pintou-o como um personagem ardiloso e carreirista, que se preocupava apenas com uma vaga para ser ministro do STF: “tem compromisso consigo próprio, com seu ego e não com o Brasil”.

Em meio a esse contexto, Moro precisará ainda garantir, no curto e médio prazo, que  investigações provem a sua versão sobre a interferência política de Bolsonaro na PF. A acusação feita pode se voltar também contra o próprio ex-ministro, por prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra, caso não apresente provas dos ilícitos imputados ao presidente.

No horizonte da disputa entre Moro e Bolsonaro está certamente a eleição presidencial de 2022, ambição de ambos e possivelmente o principal pano de fundo do atual embate político. Mesmo antes da exoneração do ex-ministro, Bolsonaro já dizia que Moro é “candidatíssimo” à presidência em 2022 e por isso hesitava em indicá-lo à vaga que surgisse no STF, para não lhe dar tamanho palanque eleitoral. As consequências dessa disputa, portanto, dependerão do transcurso das investigações, de como ambos atuarão e de como se posicionarão outros atores e instituições. Bolsonaro continua presidente e já deu inúmeras mostras de que está disposto a qualquer ato para seguir no poder; sabe mobilizar sua base política, inclusive militares. Moro mostrou várias fragilidades em seu desempenho público e político enquanto ministro da Justiça.  Mas retornou agora, talvez temporariamente, aos bastidores do mundo político-jurídico, no qual a Lava Jato e o escândalo denunciado pelo The Intercept Brasil já mostraram como ele tem protagonismo e como atua.

Terezinha Silva, professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina



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