Análise | Poder e Política

O nazista homenageado e o Brasil de hoje

No Brasil atual, presidido por um ex-capitão e com vários militares de alta patente no primeiro escalão, a homenagem do Exército a um soldado do Nazismo revela não só a afinidade do governo brasileiro com uma face abominável do militarismo, como também uma sociedade vigilante e receosa.

Foto: Exército Brasileiro

Começa o mês de julho de 2019 e o Exército Brasileiro, no site da instituição e em seus perfis oficiais nas redes sociais, presta homenagem ao major do Exército Alemão Eduard Ernest Thilo Otto Maximilian von Westernhagen, morto a tiros em 1º de julho de 1968 no Rio de Janeiro, enquanto fazia um intercâmbio de estudos militares no Brasil. Confundido por guerrilheiros do Comando de Libertação Nacional (Colina) que buscavam vingar a morte do líder socialista Che Guevara, morto na Bolívia um ano antes, por tropas comandadas por Gary Prado, capitão do Exército da Bolívia que também estava no Brasil fazendo o mesmo curso, o major alemão foi morto no Jardim Botânico do Rio há exatos 51 anos.   

Esta poderia ser apenas uma simples e honrosa homenagem do Exército Brasileiro a este e a outros “oficiais de nações amigas que abdicam do conforto de suas terras natais para vir ao Brasil e fortalecer os laços de amizade e de cooperação entre nossas nações e buscar o autoaperfeiçoamento”, como consta na nota oficial. Porém, não podendo a História ser ignorada, a homenagem não é algo tão singelo assim, já que o oficial foi combatente do Exército Nazista alemão da Segunda Guerra Mundial, condecorado pelo governo racista de Hitler por atos de bravura em combate. 

Nas redes sociais, a repercussão da homenagem foi bastante negativa para o Exército Brasileiro, que recebeu duras críticas por homenagear um soldado nazista. Além das críticas de internautas, o produto comunicativo da Agência Verde-Oliva também foi alvo de uma Nota de Repúdio da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj), que lamentou e repudiou a homenagem ao oficial “que integrou as tropas nazistas, responsáveis pela morte de mais de 20 milhões de pessoas, dentre elas negros, judeus, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e soldados brasileiros”.

Diante da repercussão, no dia seguinte o Exército Brasileiro respondeu no Twitter – rede social onde a homenagem mais repercutiu negativamente – que a associação da vítima ao nazismo decorre do desconhecimento acerca do processo ocorrido na Alemanha no pós-guerra, e ressaltou a sua colaboração no enfrentamento às forças nazistas durante a Segunda Guerra. À Fierj, o Exército encaminhou Nota de Esclarecimento com conteúdo semelhante, justificando que, ao recordar fatos históricos como estes, está reafirmando “seu repúdio ao terrorismo e o compromisso com a liberdade e a democracia”.

O Brasil vive um momento único quanto à presença de militares em sua gestão. Além de ser presidido por um ex-capitão do Exército, que tem como marca e prioridade o armamento da população, tem como vice-presidente um general da reserva do Exército Brasileiro, segunda patente mais alta da corporação. Também conta com militares de alta patente em diversos postos de alto escalão, inclusive nos ministérios mais próximos do Palácio do Planalto. De acordo com levantamento do jornal Estadão, realizado em dezembro de 2018, o governo de Jair Bolsonaro começou com sete militares em ministérios, número superior até ao governo do general Castelo Branco (1964-1967), primeiro dos cinco governos militares que comandaram o Brasil após o golpe de 1964. 

Neste contexto, a homenagem revela  o grau de afinidade do governo brasileiro com o militarismo, que chega ao  ponto de defender (ou pelo menos relativizar) princípios condenados mundialmente, como o Nazismo. Vale tudo “contra o terrorismo”, até o reconhecimento de quem estava do outro lado da trincheira em um momento capital do século passado. A homenagem diz mais sobre o Brasil de hoje do que sobre o nazista do passado. As reações críticas, no entanto, indicam também a existência de setores vigilantes e receosos das consequências desse tipo de afinidade.

Cecília Bizerra Sousa
Doutoranda em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do Gris.



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