Jair Bolsonaro é “a personificação do self-service político brasileiro que se estabeleceu desde as jornadas de junho de 2013″. Cada um vai lá e se serve de acordo com sua inclinação ideológica ou desejo de uma suposta mudança.
O segundo turno das eleições presidenciais de 2018 reforçou Jair Bolsonaro como ícone da direita. Difícil de superar. Quase impossível de vencer. Porque semioticamente falando, o agora presidente eleito era um signo e, como tal, podia ser preenchido por qualquer ideia ou ideal. Sua campanha na segunda etapa do pleito pareceu ter consciência disso e o escondeu ao máximo: fora dos debates, entrevistas apenas em casa ou em ambiente controlado. Tiraram de cena o vice falastrão e aliados com propostas absurdas ou no mínimo polêmicas. Porque quanto menos sentido se associasse à figura Bolsonaro, melhor.
O ícone Bolsonaro transmutava-se em símbolo de acordo com os interesses, sentidos e valores de cada um. Podia ser apenas o anti-Lula ou anti-PT. Podia ser a nostalgia mentirosa de um governo militar sem corrupção. Podia ser o retorno de valores ultrapassados, mas que representam segurança pra muita gente. Um signo vazio, orgulhoso de ser vazio porque, desta forma, pode ser preenchido de acordo com o gosto do cliente.
Bolsonaro é a personificação do self-service político brasileiro que se estabeleceu desde as jornadas de junho de 2013. Cada um vai lá e se serve de acordo com sua inclinação ideológica ou desejo de uma suposta mudança. É o prato vazio que cada um carrega em direção à panela de sua preferência. É o mito de Barthes.
Em seu estudo semiológico de astros de cinema, luta-livre e comerciais, o estruturalista francês apresentava estas mitologias modernas como uma segunda estância semiótica. Um signo transmutado em significante para ser associado a mais um significado. Bolsonaro era este significante aberto para qualquer significado que quisessem associar a ele. Mito.
Servia a qualquer propósito, a qualquer valor, a qualquer coisa. Esta fórmula é imbatível porque trabalha a partir de projeções muito íntimas dos indivíduos, permite representar valores que podem estar quase em um nível inconsciente. Uma blindagem à realidade e a escândalos alimentado por fake news, pois o mito existe em um nível puramente simbólico, quase uma fantasia, um ser criado à imagem e semelhança de qualquer um que o abrace.
O fanatismo de seus eleitores talvez seja um pouco explicado assim. Como fãs adolescentes de uma celebridade da moda, exibiram com orgulho a imagem daquele signo que podia ser preenchido livremente por sua imaginação. Mas a eleição passou, Bolsonaro ganhou, e agora precisa ser realidade. No breve processo de transmutação de mito para homem que agora ocorre, já se encontram alguns indícios de que a decepção vem se apossando de alguns apoiadores. Era esperado, uma vez que agora o mito inevitavelmente será desconstruído.
É de se esperar que, aos poucos, ao ser desconstruído pelos próprios atos e ações do mundo real, o mito se revele como signo. E afinal, o que é signo? Na definição de Umberto Eco: é tudo aquilo que possa ser usado para mentir.
Renné Oliveira França
Professor do Instituto Federal de Goiás
Pós-doutor em Comunicação Social pela UFMG