Análise | Poder e Política

Os desordeiros da ordem

Militares na política historicamente não promovem a ordem que representam, mas alimentam a desordem. Não tem sido diferente em nosso tempo.

Sequer eleito para vice-presidente, Mourão é representado por boneco com a faixa presidencial. Crédito: Futura Press/Folha Press.

Em 2018, temos dois candidatos militares à presidência. O bombeiro cristão que virou meme mereceria uma análise à parte. Também mereceria o capitão, reformado pelo Exército após ser acusado de planejar explosões em quartéis, segundo Veja. Curioso: a revista indicada pelo presidenciável e seus seguidores caiu em desgraça por publicar mais uma matéria nada favorável ao líder nas pesquisas de primeiro turno (um curioso caso de notícia tratada como fake news por quem acreditou em uma fake news astutamente publicada antes).

Mas nosso foco é quem tem roubado a cena: o general Hamilton Mourão. O candidato a vice – também reformado e que se celebrizou ao propor uma intervenção militar – faz declarações insustentáveis. Atribui a suposta indolência e malandragem dos brasileiros às nossas origens indígenas e africanas, sendo evidentemente racista e ironicamente nem um pouco nacionalista. Os portugueses, dos quais somos independentes há quase 200 anos, seriam culpados pela nossa cultura de privilégios. O general parece ter a mesma frustração que o capitão que bateu continência para a bandeira estadunidense, e talvez seja com essa frustração que parte de seu eleitorado se identifica: a de não ser “americano”…

Mourão também chamou de fábrica de desajustados os lares pobres onde mães e avós criam seus filhos e netos. Pior: até o filósofo Pondé saiu em defesa da generalização apressada, em nome de se dizer “verdades politicamente incorretas”. Não seria precipitado atribuir a causa da criminalidade à ausência masculina, se inúmeras famílias sem recursos e sem a presença de pais e avôs criam cidadãos “ajustados”?

Quando partiu para o ataque ao 13º salário, o general acabou tomando um puxão de orelha até do seu cabeça de chapa. Foi uma coleção de equívocos: primeiro porque Mourão estava na CDL, entidade formada por empresários que se beneficiam do aumento do consumo no fim de ano. Segundo, porque o militar tratou como supérfluo um benefício que procura corrigir uma distorção: nos Estados Unidos, por exemplo, salários são pagas durante as 52 semanas do ano – no Brasil, sem o 13º, trabalhadores recebem por 48 semanas. Em terceiro lugar, o 13º não é uma “jabuticaba”, uma exclusividade brasileira, sendo pago também em países como México e Portugal. Em última instância, nem a jabuticaba é endêmica do Brasil… O general desobedeceu o capitão e repetiu a crítica.

Com arquivos publicados recentemente revelando como atentados forjados por paramilitares justificaram o AI-5 em 1969, é sintomático observar como os autoritários se contradizem, ao não inspirar nenhuma autoridade e explorar o medo para obter poder. A “ordem” das ditaduras é a desordem dos ditadores, aspirantes a ditadores e protegidos – que passam por cima da hierarquia, da lei, da constituição, de seus opositores, de seu povo.

O Brasil resistirá a se uniformizar como tropa assustada da mesma  maneira que aconteceu em outros momentos da história. Somos um país que, apesar de tantas injustiças, se orgulha de sua diversidade.

Gáudio Bassoli

Mestre em Comunicação Social pela UFMG



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