Análise | Movimentos sociais e ativismo Poder e Política

Protestos na América Latina revelam rejeição a políticas neoliberais

Diferentes entre si, os protestos que tomaram as ruas do Equador e Chile, e, em menores proporções, também no Brasil, têm em comum a indignação de vários segmentos sociais a um modelo político-econômico que corta investimentos em áreas sociais, privatiza serviços públicos, extingue direitos trabalhistas e aprofunda as desigualdades.


Imagem de manifestante com bandeira Mapuche no topo de estátua militar em Santiago se tornou símbolo dos protestos no Chile por reformas sociais. Foto: Susana Hidalgo.

Uma onda de protestos populares tomou conta de alguns países da América Latina entre setembro e outubro, principalmente no Chile e no Equador, onde a repressão policial chegou a resultar em mortes de manifestantes. Somados a eleições realizadas no período, especialmente na Argentina, onde a esquerda volta ao poder depois de quatro anos de políticas neoliberais do governo Macri,  esses acontecimentos chamam a atenção de diversos atores externos e do Brasil, pela possibilidade de reconfiguração política no continente e pelas influências que podem ter no contexto político-social brasileiro.

No Chile, que desde os anos 1990 é vendido pelo discurso neoliberal como sendo o modelo de país desenvolvido a ser copiado pelos seus vizinhos latinoamericanos, os protestos iniciaram por conta do aumento de 30 pesos na tarifa do metrô, e logo mostraram o que estava por trás de tamanha insatisfação.  Expressam o repúdio de uma população que paga muito caro por serviços básicos e precários, um custo de vida que não para de crescer, endividando e sufocando classes populares e médias. A previdência social, por exemplo, é privada e funciona sob regime de capitalização – sistema defendido pelos mesmos setores que pressionaram pela Reforma da Previdência brasileira, aprovada pelo Senado no último dia 23 de outubro.

No Equador, o  estopim foi o reajuste de mais de 100% nos combustíveis derivados do petróleo, o que afeta, entre outras coisas, o transporte de produtos agrários produzidos por povos indígenas, grandes protagonistas das manifestações. O fim do subsídio aos combustíveis foi uma das medidas implementadas pelo presidente Lenin Moreno após recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI). Impulsionando os protestos equatorianos, porém, há ainda outras medidas do receituário neoliberal, como reforma trabalhista e extinção de direitos, semelhante à adotada no Brasil, a partir dos governos Temer e Bolsonaro.

No Brasil, a paralisação nacional da educação nos dias nos dias 2 e 3 de outubro não é comparável em extensão e intensidade aos países vizinhos. Mas dá sequência às manifestações em defesa da educação pública ocorridas ao longo do ano, contra o contingenciamento de cerca de 6 bilhões de reais da área e contra o projeto Future-se, cujo horizonte é a privatização das universidades federais.  São políticas que integram as medidas de austeridade fiscal e privatização dos serviços públicos do governo Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, impostas no Brasil em ritmo acelerado. São do mesmo modelo cuja falência é exposta tanto pelas urnas na Argentina quanto pelas ruas do Chile – definido como o “oásis” da América Latina pelo presidente Sebastián Pinera, o mesmo que retirou os militares dos quartéis para reprimir manifestantes. Resultado: 20 mortos, denúncias de que direitos humanos foram e estão sendo violados, além das inevitáveis associações com a ditadura militar, tanto no Chile quanto no Brasil.

Os acontecimentos nos estimulam, naturalmente, às comparações, na busca por interpretá-los, compreender suas causas, apreender seus sentidos, identificar as possibilidades de futuros que eles abrem.  Os recentes protestos latinoamericanos guardam semelhanças entre si – um pano de fundo comum de questionamento de um modelo que aprofunda desigualdades sociais. Da mesma forma, possuem diferenças em função de características dos contextos sócio-culturais em que surgiram. Eles estimulam, certamente, a pensar no potencial dos acontecimentos de abrir o caminho para a ação coletiva visando modificar situações e problemas que afetam a coletividade.  A efetiva transformação dessas revoltas em avanços sociais concretos, porém, depende dos próprios desdobramentos dos acontecimentos e do modo como eles serão apropriados socialmente em seus contextos, o que por ora é imprevisível.

Terezinha Silva, professora do Departamento de Jornalismo da UFSC.

Kauane Lahr, graduanda do curso de Jornalismo e bolsista de Iniciação Científica – UFSC/CNPq.

Carolina Maingué Pires, graduanda do curso de Jornalismo da UFSC e bolsista de Iniciação Científica – UFSC/CNPq.



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