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Protestos na Colômbia: o subpresidente desafiado pela rua

2019 ficará na história da América Latina como o ano de um furacão de mobilizações de rua que provocaram a queda de presidentes, caso de Evo Morales na Bolívia, o recuo de decisões macroeconômicas de outros, como aconteceu com Lenin Moreno no Equador, e o debilitamento do sistema político, verificado na convocatória de uma constituinte por parte de Sebastián Piñera no Chile. A fila andou, e por sua vez os colombianos saíram à rua de forma multitudinária no dia 21 de novembro. Ainda que este acontecimento não possa ser descolado do efeito em cascata da região, é importante destacar o que há de específico no caso colombiano.

Protestos continuam: manifestantes em Medellín, no último domingo (1º). Foto: Joaquin Sarmiento/AFP

Em primeiro lugar, não há na memória recente dos colombianos uma mobilização tão extensa e profunda da cidadania. Faz mais de quarenta anos, em 1977, o governo de Alfonso López Michelsen enfrentou uma paralisação nacional de grandes proporções. Eram outros tempos e  outros métodos de protesto, assim como de resposta governamental.

Em segundo lugar, a conjuntura colombiana traz a marca do acordo de paz assinado entre o governo de Juan Manuel Santos e a antiga guerrilha das Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia (FARC), hoje transformada no partido político Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC). Em grande medida, a mobilização cidadã é o fruto do novo cenário político sem a ação violenta das FARC. Muitos analistas locais coincidem em que esta primavera colombiana só foi possível pela abertura do espaço político trazido pelo acordo de paz. O barulho das bombas e dos fuzis não deixava escutar a voz do cidadão comum.

Em terceiro lugar, o governo de Iván Duque parece não entender as causas telúricas da mobilização. Em seu primeiro ano de governo, Duque parece estar ainda em campanha eleitoral, pois continua com a pauta de seu tutor político o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez. Movidos pela inércia de sua vitória no referendo, quando o “Não” aos acordos de paz derrotou o “Sim”, Uribe, seu partido (Centro Democrático) e seu pupilo Iván Duque, sarcasticamente chamado de “subpresidente”, assumiram o governo com o propósito de “esfarrapar” o plano de benesses que, supostamente, teria sido dado à cúpula da FARC. A voz cantante da direita colombiana não aceitava que uma “quadrilha de terroristas” trocasse a atuação nas montanhas pelo Congresso Nacional pagando penas alternativas em troca de contar a verdade sobre os crimes de guerra cometidos. Duque ficou atolado numa agenda obsessiva contra as FARC sem perceber que o país já não era mais o mesmo governado pelo seu tutor Uribe Vélez.

A eleição regional do último mês d outubro, quando foram eleitos prefeitos, governadores e legislativos, tinha avisado à direita colombiana que os cidadãos estavam cansados de sua agenda de medo e revanchismo contra as FARC, e que ela continuava sem entender as causas profundas da guerra e     sem cumprir o ponto substantivo do que foi negociado no acordo de paz em La Habana: a reforma agrária. Uribe e a direita não aceitam fazer concessões à bandeira histórica das FARC. Porém, se equivocam, pois a FARC é um partido inexpressivo, mas a pobreza rural na Colômbia é escandalosa: 85% da força de trabalho rural sobrevivem na informalidade. Na Colômbia, as guerrilhas têm sido historicamente um sintoma político de estruturas sociais excludentes. Os movimentos guerrilheiros passam, mas os problemas ficam e se aprofundam.

A maré de protestos não pode ser atribuída a uma conspiração da esquerda internacional via Foro de São Paulo, como ingenuamente Iván Duque e seu padrinho Uribe Vélez tentaram colar na opinião pública. É, pelo contrário, as novas classes médias expressando a frustração das suas expectativas de mobilidade social em matéria de educação para seus filhos, de emprego de qualidade e de aposentadorias dignas.

Silvio Salej Higgins, Professor Associado do Departamento de Sociologia da UFMG



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