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#QuemEstavaNaCasa58?: Os áudios que abalaram a presidência

Em abril deste ano, analisamos aqui no GrisLab os desdobramentos ocorridos após um ano do assassinato de Marielle Franco. Agora, ao final de 2019, voltamos a falar deste assunto motivados não só pelas revelações gravíssimas feitas pelo Jornal Nacional, que envolveram diretamente a família Bolsonaro em seu feminicídio político, mas também para resgatar o legado que ela nos deixou em tempos tão sombrios.

Fonte: reprodução

Após a publicação de uma reportagem ‘bombástica’ em outubro, que revelou provas de que Ronnie Lessa, o principal suspeito de ter participado do assassinato da vereadora, esteve na casa de Jair Bolsonaro horas antes do ocorrido, o presidente e seus filhos, que debocharam e seguem menosprezando a comoção em torno da figura de Marielle, se viram no olho de um furacão incontrolável. Como sempre, sobrou para todo mundo: em uma live feita tarde da noite, o presidente, visivelmente descontrolado, disparava para todos os lados: para a Rede Globo, para o jornalismo, para os porteiros (acusados de terem mentido), para Wilson Witzel, para o Ministério Público estadual, para a PGR e até para o atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, acionado para conter a crise.

Analisar o acontecimento da morte de Marielle Franco é, também, analisar um quadro de valores e representações polarizadas que vem se configurando e, infelizmente, se fortalecendo desde o golpe, em 2016. Do lado mais forte, mas minoritário, o ódio de classe fortemente aliado ao racismo e à misoginia, o culto  à meritocracia e o desejo da elite (e de quem se sente próximo dela) de resgatar, a qualquer preço, um Brasil de exceções. E do outro, uma parcela da população disposta a lutar para manter e ampliar os direitos recém-reconhecidos pelo Estado, como os de morar, se alimentar, cuidar da saúde, ter lazer, estudar, trabalhar, comprar, viajar e circular.

Marielle estava inclusa nessa parcela. Mulher negra, periférica e mãe solo, ela defendia o direito à vida da juventude negra, atualmente massacrada todos os dias pelas forças estatais e seus agentes de segurança, especialmente no estado do Rio de Janeiro. Também por isso, seu assassinato é ferida aberta que dói em todos e todas que a conheceram e que gostariam de saber quem mandou matá-la e por que, tendo a reportagem do JN reativado essa sede de verdade. A hashtag #QuemEstavaNaCasa58 atingiu o topo dos Trending Topics nacional e mundial logo após a reportagem, e, nos dias que se seguiram, vieram outras, conforme Bolsonaro, seus filhos e defensores tentavam desmentir as gravações vazadas pelo veículo.

Na virada de um ano catastrófico para o projeto de bem estar social que estava sendo gestado até então, as revelações periódicas do envolvimento de pessoas ligadas ao Palácio do Planalto no assassinato de Marielle causam pequenos tremores e deixam à mostra as  brechas de um governo que parece, na maior parte do tempo, blindado por uma cortina impenetrável de surrealismo e mentiras. Sua morte e o incômodo (ou desespero) que as investigações causam são reais demais para serem ignoradas. Por isso, lembrar o dia 14 de março de 2018, investigá-lo, cobrar explicações e dar continuidade ao legado político de Marielle é, na atual conjuntura, alargar as brechas, na esperança de abalar os muros que nos separam.

Mayra Bernardes, Mestre em Comunicação pelo PPGCOM/UFMG e pesquisadora do GRIS.



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