A prisão de empreiteiros, a corrupção e a relação público-privado
Entre tantos elementos a se analisar num acontecimento como o desencadeado pelas sucessivas fases da Lava Jato, um que chama a atenção desde o começo, em março de 2014, é a prisão dos executivos das principais empreiteiras do Brasil responsáveis pelas grandes obras públicas realizadas nas últimas décadas nos quatro cantos do país.
Executivos das empresas Andrade Gutierrez e Odebrecht foram alguns dos presos durante ação da Polícia Federal na operação Lava Jato Crédito: Geraldo Budniak/JogodoPoder
Não há obra pública de grande dimensão feita na história brasileira recente que não tenha tido a participação de construtoras como a Odebrecht, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, OAS, Camargo Correia, Queiroz Galvão, só para citar algumas. Não é pouco, portanto, ver os grandes empreiteiros do país presos pela Polícia Federal.
A prisão de empresários não teve, claro, a mesma dimensão de espetáculo e exploração midiática que à de certas figuras políticas como José Dirceu. No caso dos empreiteiros, a repercussão público-midiático se dá dentro de certos limites de discrição e respeito que os grandes meios de comunicação costumam dispensar a empresários pegos em transgressões às leis e normas sociais. Mas, ainda assim (e por isso também), a prisão deles constitui-se, por si só, um acontecimento bastante revelador de problemas do campo político no país, da sua relação com o campo econômico e da maneira como as narrativas jornalísticas dão a ver essas relações, seus personagens e suas práticas.
Dentre os problemas revelados destaca-se o fato de que a Lava Jato e, particularmente, a prisão de empreiteiros escancara para amplos públicos o que já era de conhecimento de muitos atores (políticos, empresários, jornalistas, funcionários públicos ou cidadãos que leem notícias com alguma frequência): a forma como tem se dado, historicamente, a contratação de obras públicas no Brasil. Ou seja, mediada por acordos entre empreiteiras, fraudes em licitações, troca de favores e pagamento de propinas. Só a hipocrisia que marca nossa cultura política ou a luta político-partidária (que impedem encarar os problemas coletivos como eles realmente são para tentar resolvê-los) escandalizou-se com a célebre frase do advogado de um investigado na operação Lava Jato, segundo quem “sem acerto” nas obras públicas “não se põe um paralelepípedo no chão”.
O que provoca escândalo no caso da Lava Jato/Petrobras e da prisão dos empresários, portanto, parece ser menos a confissão sobre a existência de um “clube” ou cartel de empreiteiras fraudando licitações e pagando propinas a agentes públicos, para garantir seus negócios e lucros, do que o fato de que tais práticas são reveladas e relativas a período de um governo considerado de esquerda (as investigações são pós-2003 e não se estenderam a períodos anteriores) e implicam o partido governista, o PT. Não é de estranhar, então, – e essa é uma segunda questão reveladora nas prisões – que os empreiteiros presos, confessando crimes e delatando outros personagens, comecem a aparecer como “vítimas” em certas narrativas do acontecimento. “Vítimas dos políticos e funcionários públicos”, que os “teriam achacado e obrigado a pagar propinas para fazer negócios com a estatal”.
Trata-se, portanto, de construir uma narrativa do acontecimento como um escândalo típico do campo político (tido previamente como corrupto), sem conexão alguma com as práticas do campo econômico/empresarial (tido a priori como correto). Bem diferente de um acontecimento similar, o quase midiaticamente invisível caso do cartel dos trens e metrô de São Paulo. Neste, as narrativas (do Ministério Público, governo estadual e mídias diversas) vão descrevendo-o como um escândalo de empresas (internacionais, não brasileiras), sem relação com políticos e partidos locais. Os dois escândalos envolvem formação de cartel para fraude em licitações públicas e o pagamento de propinas. Mas o cartel dos trens é uma rara historia de corrupção onde só tem corruptores, não tem corruptos: o Estado e os agentes público-políticos foram vítimas de empresas privadas.
Terezinha Silva
Professora Colaboradora do Departamento de Comunicação Social da UFMG e pesquisadora do GRIS.
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