Um ano após o assassinato de Marielle Franco, o crime político ainda não foi completamente desvendado – manifestações ocorrem reivindicando saber quem foram os mandantes do atentado.
No dia 14 de março de 2018, a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) foi assassinada juntamente com o motorista do carro em que estava, Anderson Gomes. A data não poderia ser mais simbólica, semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher. Foram disparados 13 tiros contra ela, quando voltava de uma roda de conversa, na Lapa, Centro do Rio, sobre, justamente, a potência da participação de mulheres negras no espaço público. As investigações apontam para o envolvimento de milícias no assassinato, e resultaram na prisão de dois suspeitos – o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-militar Élcio Vieira.
No país das Américas em que mais se matam ativistas dos direitos humanos (segundo o relatório anual da Global Witness, divulgado em 2018), Marielle, militante desde a juventude, poderia ser apenas mais um número para as estatísticas.Não é. Eleita como Vereadora da Câmara do Rio de Janeiro, com 46.502 votos, ela era uma representante das instituições democráticas, um corpo estigmatizado nas estruturas tradicionais de poder – mulher negra, lésbica, mãe solo e favelada. Incomodava também pelas pautas que assumia na vida política: a luta contra a violência do Estado era uma delas.
Milícias, forças compostas sobretudo por policiais e ex-policiais, atuam de forma ilegal como uma espécie de estado paralelo, principalmente dentro das favelas, em relação íntima com o poder tradicional. Esta relação ganha proporções ainda maiores quando associadas ao grupo político em torno do presidente do país. A ligação do chamado clã Bolsonaro a milicianos antecede a morte de Marielle. São vários os indícios que apontam a ligação, sejam as homenagens formais, elogios públicos, ou o caso Fabrício Queiroz.
Marielle incomoda mesmo depois de morta e isso reverbera em outros acontecimentos. É o que fica evidente quando opositores políticos tentam a todo custo desmerecer as movimentações em sua homenagem. Durante a campanha de 2018, dois então candidatos pelo PSL (partido de Bolsonaro), Rodrigo Amorim (Deputado Estadual) e Daniel Silveira (Deputado Federal) quebraram uma placa de apoio à ativista em um comício do agora governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.
A morte foi um acontecimento que reverberou para além dela. Conforme analisado neste GrisLab, a escola de samba Mangueira, a campeã do carnaval carioca deste ano, homenageou a vereadora em seu enredo. Manifestações ocorreram em diversas capitais brasileiras, em memória e solidariedade à ativista, no último dia 14, um ano após o atentado. Fora do país, também no dia 14, foi aprovada pelo Conselho Municipal de Paris a proposta de nomear de Marielle Franco um espaço público da cidade.
Além da força motriz combativa, amigos e familiares, Marielle deixou a filha de 17 anos e a companheira Mônica Benício, que agora atua também como ativista pelas pautas defendidas pela ex-noiva. O legado da socióloga virou força que retroalimenta as lutas que travou em vida. Só pelo estado de Rio de Janeiro, nas eleições de 2018, foram eleitas quatro mulheres negras como deputadas estaduais – Talíria Petrone, Mônica Francisco, Renata Souza e Dani Monteiro, militantes pelas mesmas questões de luta da ex-vereadora. Elas, inclusive, contribuem com o aumento em 50% das representações femininas na Câmara dos Deputados em 2019.
Por tudo que representou e segue representando, Marielle ainda desperta em muitos o desejo de que duas perguntas que há mais de um ano reverberam sejam respondidas. Quem mandou matá-la? E por quê?
Chloé Leurquin
Doutoranda em Comunicação Social pela UFMG