As minas (de ferro) constituem econômica e historicamente as nossas Minas (Gerais); no entanto, a disseminação negligente da atividade exploratória reflete o pouco zelo dado a vidas e sonhos que estão por trás de cada área afetada pela mineração no estado.
Minas Gerais mal havia se recuperado do mar de lama que chocou toda uma coletividade no começo de 2019, com o rompimento da barragem de rejeitos de Córrego do Feijão, em Brumadinho, quando moradores de Barão de Cocais, Itatiaiuçu, São Sebastião das Águas Claras, Ouro Preto e Nova Lima foram obrigados a deixarem suas casas em função da instabilidade de barragens próximas. Uma rodovia federal chegou a ser interditada. A tragédia passada e as tragédias iminentes colocaram o estado em alerta máximo. Afinal de contas, essa unidade da federação concentra um terço da extração de minério de ferro do país e abriga mais de 300 barragens de rejeitos classificadas como “não seguras”.
Evidentemente, a mineração é um dos traços da nossa identidade e não se pode negar a importância da atividade para o estado, para o Brasil e para o mundo. A propósito, inúmeros produtos presentes no nosso cotidiano advêm do beneficiamento do minério de ferro. Entretanto, analisando o cenário sob um viés pragmatista, que observa as instâncias contextuais e consequenciais das práticas em sociedade (POGREBINSCHI, 2005), algumas inquietações vêm à tona.
As tragédias de 2015 e de 2019 colocaram em xeque o próprio modelo de exploração mineral, as lacunas do sistema de fiscalização, bem como as políticas públicas que flexibilizam normas para atividades dessa natureza.
De igual modo, o futuro continua incerto para os moradores de outras áreas do interior. Descontinuar a produção nas várias regiões de barragens, o que é chamado de descomissionamento, não minimiza os riscos de elas se romperem posteriormente. Também se pergunta como apaziguar os moradores de Congonhas, cidade internacionalmente conhecida pelas centenárias obras de Aleijadinho, e que agora está tomada pelo medo de rompimento da barragem da CSN. O que esperar da saúde futura dos bombeiros que seguem com as buscas em Brumadinho, mergulhados diuturnamente na lama tóxica? É possível recuperar a imagem de municípios, muitos deles dependentes do turismo, que ficaram atrelados à dimensão da tragédia e da devastação? São inquietações que circulam no bojo da sociedade mineira e para as quais, infelizmente, ainda não temos respostas.
Os acontecimentos recentes parecem demonstrar que interesses empresariais e político-partidários se sobrepõem àqueles que dizem respeito à coletividade. Entre mortes, prejuízos e traumas a serem ainda elaborados, as fendas abertas pelas mineradoras e deixadas para sempre no solo mineiro produziram feridas ainda mais profundas no nosso povo. Algumas delas, sabemos, jamais poderão ser cicatrizadas.
Raquel Dornelas
Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Referências:
POGREBINSCHI, T. Pragmatismo: teoria social e política. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2005.