Análise | Diário da Quarentena Poder e Política Religião

Uma Igreja, divergentes vozes e muitos interesses

No início de junho, uma reportagem do Estadão denunciou um possível acordo  entre líderes de veículos de comunicação de inspiração católica, o presidente Jair Bolsonaro e deputados da Frente Parlamentar Católica. A proposta de oferta de mídia positiva por parte dos veículos católicos, em troca de verbas do governo, dividiu opiniões e inflamou posicionamentos sobretudo entre fiéis e sacerdotes no país.

Foto: reprodução / TV Brasil

A reunião de que trata a reportagem foi realizada por videoconferência no dia 21 de maio e transmitida publicamente pelas redes sociais da Presidência da República e pela TV Brasil. Participaram representantes de cinco redes de televisão de inspiração católica: Pai Eterno, Rede Vida, Canção Nova, Século 21 e Evangelizar, ficando de fora Aparecida, Horizonte, Nazaré e Imaculada.

Ainda que não tenha sido feita “na surdina”, foi a cobertura da imprensa que desencadeou a reverberação do acontecimento, cuja problematização se deu nem tanto pelo pedido de verbas — é comum que os veículos de comunicação negociem e recebam investimentos publicitários da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) — e sim pela oferta de cobertura positiva do governo.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se manifestou no mesmo dia (06) da veiculação da notícia, assinando sua nota oficial junto com outras instituições de referência: “recebemos com estranheza e indignação a notícia (…) A Igreja Católica não faz barganhas”. A nota também esclareceu que a CNBB não detém nenhum controle sobre os veículos de comunicação de inspiração católica, que seguem seus próprios estatutos e princípios editoriais.

Muito comentado nas redes sociais, o caso dividiu opiniões, expondo as divergências entre os fiéis da ala conservadora (mais ligada à Renovação Carismática e que saiu em defesa das redes afetadas) e progressista (que apoiou o posicionamento da CNBB) da Igreja Católica.

Entre os representantes da Igreja também surgiram controvérsias. O bispo de Itacoatiara (AM) e também vice-presidente da Comissão Pastoral da Terra, Dom José Ionilton, classificou os participantes da reunião como “mercenários” e “vendilhões do templo”. Outro bispo que se manifestou foi Dom Antônio Peruzzo, responsável pela arquidiocese de Curitiba, na qual padre Reginaldo Manzotti, líder da Rede Evangelizar, atua. O bispo afirmou que foi previamente consultado pelo sacerdote, a quem orientou cautela, inclusive por não gostar do presidente. Também classificou a reportagem como “maldade encomendada”, e criticou a  nota da CNBB, que considerou “infeliz” e “detrativa”.

Um dos fatores que explicam a aproximação entre representantes de veículos de comunicação Católica e o governo é a própria pandemia, que tem diminuído a arrecadação de várias emissoras. A maioria delas sobrevive principalmente das doações de fiéis e, por mais que o isolamento social esteja contribuindo para o aumento da audiência, isso não se reflete diretamente na receita. Além disso, por serem tão diversos — dirigidos por associações, organizações religiosas e por grupos empresariais particulares, alguns veículos de inspiração católica podem não estar apenas comprometidos com a evangelização dos fiéis, encarando esses meios de comunicação como negócio, fonte primeira de enriquecimento e poder.

O caso e toda a repercussão também apontam para a famigerada mistura entre política e religião, que muitas vezes perturba valores democráticos essenciais. Na reunião, algumas das falas dos representantes católicos (de emissoras e parlamentares) revelam o interesse por benefícios que a bancada evangélica e seus comunicadores já vinham conquistando em sua proximidade com o governo. Segundo levantamento da Agência Pública, entre junho de 2019 e maio de 2020, a Secom destinou 30 milhões a cinco veículos ligados a pastores de igrejas evangélicas, sendo a TV Record, do bispo Edir Macedo, a principal beneficiada (28,6 milhões). Enquanto isso, o grupo de emissoras de inspiração católica recebeu em 2019, 2,1 milhões.

Fabíola Souza, professora da UFOP e pesquisadora do Gris
Samuel Silveira, apoio técnico do GrisLab, bacharel em Comunicação Social pela UFMG



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