Análise | Poder e Política

URSAL, ou como paramos de nos preocupar e começamos a amar o deboche

A estratégia retórica de Cabo Daciolo de usar uma teoria da conspiração para incitar o “perigo comunista” saiu pela culatra e acabou se tornando o maior meme das Eleições 2018 até o momento, disseminando-se pela Internet e reverberando nos mais diferentes espaços. Tamanha comoção é capaz de gerar uma possível união das esquerdas no Brasil, mesmo que através da piada?

Crédito: twitter/@cartermariano

“O senhor pode falar aqui, para a população brasileira, sobre o plano URSAL?”. Foi assim que Cabo Daciolo, o primeiro presidenciável do Patriotas, abordou Ciro Gomes (PDT) no debate inaugural das Eleições 2018, realizado em 9 de agosto pela rede Bandeirantes. Reagindo com espanto, Ciro disse desconhecer o significado da sigla. “O plano URSAL. União das Repúblicas Socialistas da América Latina. Tem algo a dizer para a nação brasileira?”, reiterou o Cabo.

O barulho foi imediato. No Twitter, o termo “URSAL” rapidamente subiu para os assuntos mais comentados e permaneceu lá por quase uma semana. Uma busca rápida pelos tweets em destaque das 24 horas após o debate mostra uma chuva de ironias e imagens de ursinhos com o símbolo da foice e do martelo. De pessoas que não acreditavam no que tinham acabado de ver, influenciadores com piadas prontas ou aqueles que confabulavam (não tão secretamente) sobre uma possível guinada socialista na América Latina, todos ajudaram a difundir a URSAL na Internet, só que não do jeito que Cabo Daciolo pretendia.

A URSAL instantaneamente se transformou em meme e foi espalhada por outros espaços. Veículos como El País, R7 e Folha fizeram um compilado das melhores montagens da Internet, que também podem ser encontradas aos montes no YouTube. Uma busca no Facebook revela páginas “oficiais” com mais de 80 mil curtidas, fotos de perfil apoiando o “plano” e dezenas de eventos temáticos, irônicos ou não.

Os atores políticos também não perderam tempo. Um bom exemplo é Manuela D’Ávila, que começou as comemorações de seu aniversário, no dia 16 de agosto, com um bolo da URSAL, além de já ter postado diversas atualizações nas suas redes referenciando a sigla. E o meme já fez sua passagem para o mundo físico: virou camiseta, broche, boné, entre outros itens de vestuário. A Internet é rápida, mas o capitalismo também.

A grande repercussão do termo pode ser atribuída ao fato de que quase ninguém havia sequer ouvido falar nele. A expressão foi cunhada em 2001 pela socióloga Maria Lúcia Victor Barbosa, para ironizar as críticas do então candidato a presidência Lula à Alca; a URSAL fazia referência à extinta URSS, com “Republiquetas” no lugar de “Repúblicas”. Desde então, circulava por fóruns de direita, em destaque no site de Olavo de Carvalho, onde ganhou o status de teoria da conspiração. Com a popularização das redes sociais digitais, era uma questão de tempo até que saísse de seu nicho para virar uma fake news.

A “memeficação” da URSAL também apresentou um resultado interessante: ela unificou as fragmentadas esquerdas brasileiras no ambiente online. Petistas, apoiadores de Ciro, PCdoB, PSol e outros, todos deixaram de lado seus atritos ideológicos para escrachar a absurdez de Daciolo. Um raro momento de comunhão entre a esquerda em torno de uma única figura ou, nesse caso, de um meme. A pergunta que fica é: será que a incoerência da extrema direita é capaz de juntar esses grupos, tão apartados nos últimos tempos? E se sim, essa conciliação consegue perdurar, mesmo que através do deboche?

Pedro Paixão

Graduando em Jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais



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