Taís Araújo, em episódio recente, denuncia o racismo cotidiano e é ridicularizada; semanas depois, a filha negra de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank sofre ataques racistas e gera comoção e revolta nacionais. A diferença no tratamento dos dois casos revela como pessoas brancas têm suas causas mais ouvidas e credibilizadas, enquanto pessoas negras têm seu discurso invisibilizado.
Dois acontecimentos recentes envolvendo celebridades brasileiras comprovam de forma explícita uma das nuances do racismo em nossa sociedade: ações de discriminação contra negros alcançam intensa comoção e visibilidade quando denunciadas por pessoas brancas. Enquanto isso, injúrias raciais denunciadas pelas vítimas diretas do racismo, ou seja, pessoas negras, são constantemente desacreditadas e acusadas de vitimismo.
A atriz global Taís Araújo, um dos maiores (e poucos) ícones da representatividade negra na teledramaturgia brasileira, foi palestrante no evento TEDx São Paulo em agosto deste ano, no qual falou sobre os desafios impostos pelo racismo na criação de seus filhos negros. O vídeo da palestra foi divulgado apenas em meados de novembro e viralizou nas redes sociais. A razão da repercussão foi a disseminação de comentários que ridicularizam a fala da atriz, acusando-a de vitimismo e de ser ela mesma a propagadora do racismo, ao enxergá-lo onde ele não existe.
Poucas semanas após a polêmica palestra, outro caso de racismo envolvendo celebridades ganha repercussão, mas desta vez com muito mais visibilidade e sensibilização do público. Neste episódio, a autointitulada socialite Day McCarthy posta um vídeo em sua conta do Instagram direcionando xingamentos racistas a Titi, uma criança negra adotada pelo ator Bruno Gagliasso e sua esposa, a atriz Giovanna Ewbank. O vídeo viralizou na Internet e foi notícia em diversos veículos de comunicação, sendo, inclusive, tema de uma reportagem de abertura do Fantástico, programa dominical exibido pela Rede Globo. Inúmeros internautas demonstraram indignação e revolta com o caso, insultando a autora do vídeo em suas redes sociais e manifestando apoio aos pais de Titi, que levaram o caso de racismo para a Justiça.
É possível estabelecer uma comparação entre o tratamento dado aos dois acontecimentos tanto pelos meios de comunicação quanto pelo público. De um lado, Taís Araújo foi vítima de chacota por seu depoimento sobre o racismo, vivido na pele por ela e por seus filhos – mesmo levando em conta os privilégios de ser famosa e de classe social privilegiada – e acusada de vitimismo, além de não ter sido destaque em nenhum programa de grande alcance. De outro, inúmeras manifestações de solidariedade e uma publicidade expressiva, digna de destaque em um programa de alta audiência a nível nacional, direcionadas a Titi e seus pais. Por que a diferença? A resposta está no racismo: uma criança negra sob custódia de pessoas brancas tem seu caso de racismo legitimado e caracterizado como digno de atenção, enquanto um depoimento sobre toda uma vida de racismo vivida por crianças negras, proferido por uma pessoa negra, é desmerecido e caracterizado como o famoso “mimimi”.
A diferença no tratamento entre os dois casos de racismo nos atenta para o inegável fato de que o privilégio branco existe e está incorporado na sociedade de forma tão forte a ponto de ditar qual ato racista merece atenção, ou qual ato racista é racista de fato.
Camila Meira
Graduanda em comunicação da UFMG