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A Ciência cuida de quem está cuidando de nossa saúde

Estamos vivendo um outro Renascimento onde o foco das luzes não está mais sobre o ser humano, mas sobre a Ciência. As evidências científicas e as inovações tecnológicas em diferentes áreas do conhecimento orientam e salvam as vidas daqueles que cuidam da população nos hospitais, os profissionais da saúde que estão na linha de frente no combate a Covid-19.

Foto: Gov. do Estado de São Paulo

O quadro de Rembrandt “A lição de anatomia do doutor Tulp” se tornou célebre no Renascimento por conta da exibição da dissecação humana, prática comum na medicina do século XVI que começava a descobrir o novo mundo da anatomia. Quatro séculos depois a medicina contemporânea se debruça sobre um corpo humano vivo, em meio a uma pandemia, na busca de entender o comportamento do vírus Sars-Cov2 no organismo e sob a pressão de evitar o óbito do paciente.

No início da pandemia, médicos e enfermeiros que já trabalhavam em hospitais e postos de saúde não tiveram escolha: eles se viram na linha de frente contra uma doença sem saber como lidar. Por vezes faltavam os Equipamento de Proteção Individual (EPI). Iniciou-se uma corrida: dos governos na busca de adquirir os equipamentos hospitalares necessários; das mídias visando instruir sobre medidas profiláticas, ações de treinamento e uso adequado de EPIs; dos hospitais públicos em suas comissões operacionais de emergência.

Os testes RT-PCR aumentaram e os dados de junho mostravam mais de 83 mil profissionais da saúde infectados e 169 mortes contabilizadas. Entre os óbitos, a maioria enfermeiros (42) e médicos (18). Esses números de mortes totais já seriam bem superiores a outros países, como nos EUA (146) e Reino Unido (77). Números que tendem a aumentar.

Os profissionais estão tendo que aprender o comportamento da doença durante as muitas fases do tratamento. E terão que esperar o “resgate” no front da batalha. Isto por que só as evidências científicas ao longo deste processo podem sinalizar a cura ou indicar algum medicamento que reduza complicações. De acordo com a OMS existem hoje 160 vacinas em desenvolvimento. No Brasil, algumas estão dando esperanças: a vacina da Universidade de Oxford em parceria com Unifesp e FioCruz; a “Coronavac” desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech em parceria com Instituto Butantan; e a recém-chegada “vacina russa”, elaborada pela Universidade de Sechenov e o Instituto Gamaleya de Epidemiologia e Microbiologia da Rússia. Enquanto isso, várias outras comprovações científicas mostram a ineficácia da hidroxicloroquina (e associações com azitromicina) e de vermífugos como ivermectina.

Diante desse cotidiano tensionado, os profissionais da saúde se sentem vulneráveis, entre o compromisso de salvar vidas e o medo de serem contaminados. Inúmeros foram os pedidos de setores da sociedade para a população ficar em casa e não sobrecarregar o sistema de saúde e, assim, minimizar a propagação do vírus nos hospitais.

As luzes das mídias sobre os médicos e enfermeiros exaltam o protagonismo deles e instigam o imaginário do “herói” que salva vidas. Alguns até hesitam pedir apoio emocional, pois isso seria reconhecer as fraquezas, mesmo na rotina estressante e diante da síndrome do transtorno de esgotamento. Afinal, heróis são infalíveis. Mas Hipócrates certamente iria rejeitar tanto esse mito do herói na medicina quanto as explicações fantasiosas sobre a cloroquina. O pai da medicina observaria o desenvolvimento da doença, se baseando em evidências científicas, bem como na capacidade de recuperação do corpo, evitando o uso de drogas.

 Estamos vivendo um outro Renascimento. Na pintura do século XVI o foco das luzes estava no homem. Hoje, as luzes estão na Ciência. Mas será que ela resistirá aos ataques sombrios dos negacionistas? Aumentar a intensidade do brilho da Ciência depende de todos, pois as evidências científicas orientam os profissionais da saúde quanto ao comportamento do vírus no corpo humano e, sobretudo, salva vidas. Assim, a Ciência corre para cuidar de quem cuida da saúde de todos nós.

Ricardo Duarte Gomes da Silva, doutor em Comunicação Social pela UFMG; professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da UFV e jornalista



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