Análise | Diário da Quarentena Religião

A pandemia pela ótica dos “vários protestantismos”

A pandemia de coronavírus revela como diferentes líderes evangélicos têm se debruçado sobre a tarefa de simbolização do acontecimento. Mostra ainda como o ocupante do mais alto cargo do Executivo do país trabalha em função dos interesses de alguns mercadores da fé.

Jair Bolsonaro e Silas Malafaia (dezembro/2019). Foto: Isac Nóbrega/PR

“Neste tempo de quarentena, as pessoas perdem os seus ganhos. Se você tiver que escolher entre dar a sua contribuição na IBAB ou cuidar de alguém próximo, cuide das pessoas”. O trecho acima faz parte da pregação proferida por Ed Rene Kivitz, líder da Igreja Batista de Água Branca (SP). A IBAB foi uma das pioneiras no Brasil a abolir os cultos presenciais como forma de prevenção ao coronavírus.

Por outro lado, em 15 de março, quando a pandemia já preocupava os brasileiros, o fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, minimizou o poder de ação do coronavírus, argumentando que se tratava de uma invenção diabólica. Na semana seguinte, com a proibição de celebrações em vários municípios, a instituição orientou os frequentadores a comparecerem aos templos apenas para orações individuais e auxílio espiritual. Já em relação às cidades nas quais foi estipulado um limite de fiéis nas igrejas, a Universal se prontificou a controlar o fluxo de pessoas. Porém, uma reportagem da Agência Pública apurou que não houve restrição de entrada em diversas filiais da rede. Em meio a tudo isso, o pastor Silas Malafaia, que comanda a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, também criticou as determinações de fechamento e chegou a sofrer intervenção da justiça fluminense para interromper as reuniões.

Contrariados, esses líderes religiosos tiveram suas “preces” atendidas por Bolsonaro: em 26 de março, um decreto incluiu as igrejas na lista de serviços essenciais e permitiu a reabertura total dos templos. Novamente, o presidente se mostrou mais preocupado em agradar apoiadores do que com o bem-estar da nação. Além disso, a discrepância entre a conduta da IBAB e a das outras duas instituições citadas revela questões instigantes para se pensar o evangelicalismo no Brasil.

É inegável o fosso que separa as diversas denominações protestantes. Igrejas históricas ou reformadas, pentecostais, neopentecostais e renovadas fazem parte de um mesmo bloco, mas com características até mesmo antagônicas.

Por trás da insistência de líderes em manter os cultos presenciais, está a raiz mercadológica que explica o funcionamento de suas instituições. Tais denominações atuam a partir de verdadeiros sistemas de franchising, com estudos de marketing, planejamento de expansão de unidades em áreas estratégicas, metas de arrecadação financeira. Nesse sentido, templos vazios significam um possível enfraquecimento da influência dos pastores sobre os fiéis, perda do hábito ritualístico de frequentar a igreja, além de, evidentemente, uma menor arrecadação de dízimos e ofertas.

Não se trata de juízo de valor. O apoio de Silas Malafaia ao pronunciamento de Jair Bolsonaro em cadeia nacional, no qual o presidente apelou pela “salvação” da economia, comprova como tais religiosos são movidos pela engrenagem capitalista. Malafaia chegou a dizer: “Eu tenho mais de 300 funcionários na minha organização. Como é que eu vou pagar essa gente se eu não tenho recurso?”

Enquanto zombam de orientações de autoridades e da ciência, essas lideranças colocam seus interesses (e a manutenção de seu mercado da fé) acima da saúde daqueles que deveriam pastorear — especialmente nos momentos de incerteza, como este em que vivemos agora.

Raquel Dornelas, doutoranda em Comunicação pela UERJ e mestre em Comunicação Social pela UFMG



Comente

Nome
E-Mail
Comentário