Análise | Esportes Gênero e sexualidade

A vez da voz delas

O dia do radialista deste ano, em Minas Gerais, foi marcado pela estreia feminina na narração da série B do Campeonato Brasileiro. Isabelly Morais, uma estudante de Comunicação Social de 20 anos, tensionou a transmissão de futebol ao narrar a disputa entre o América Mineiro e o ABC Potiguar na Rádio Inconfidência e romper com a tradição das vozes masculinas neste setor.

Foto: Ramon Lisboa/EM/D. A Press.

Em 7 de novembro de 2017, dia do radialista, a transmissão esportiva de rádio em Minas Gerais conheceu sua primeira narradora. Era Isabelly Morais, estudante de Comunicação Social da UFMG, de 20 anos, que, ao narrar a disputa entre o América-MG e o ABC-RN pela série B do Campeonato Brasileiro, quebrou barreiras de gênero na área do jornalismo esportivo. A iniciativa, ocorrida na Rádio Inconfidência, é fruto de um desejo do coordenador de esportes José Augusto Toscano, que havia feito a proposta à estagiária no momento de sua contratação. A presença de Isabelly se destaca em um universo de vozes masculinas. E mesmo que se especule a participação de Fernanda Gentil como narradora na Copa da Rússia, são planos para 2018. A narração feminina ainda é novidade.

A atuação da jovem profissional em sua estreia gerou intensa cobertura jornalística. Em entrevista ao projeto Boleiras, Isabelly afirma que se inspira em locutores de renome, mas quer encontrar seu próprio estilo, sem imitar nenhum ou criar bordões artificiais. Ivan Drummond, do jornal Estado de Minas, descreve sua transmissão como limpa, marcada por tiradas bem-humoradas e brincadeiras. Durante a transmissão, recebeu feedbacks em que os ouvintes ressaltavam o estranhamento da voz feminina, ainda que fosse agradável. Por outro lado, as críticas também vieram. Na mesma entrevista ao Boleiras, Isabelly conta que antes do início da narração um internauta postou: “Já não deu certo”. Também foi chamada de voz de taquara rachada e comparada à Chiquinha, personagem do programa de TV Chaves.

A narradora não é avessa a críticas que possam colaborar para o seu crescimento profissional, entretanto, o que se percebe nessas falas contra sua atuação é uma tentativa de manter inalterada a tradição das vozes masculinas na narração do futebol. O que aponta, inevitavelmente, para a tentativa de manutenção do lugar masculino no futebol de forma geral e também na sociedade. De acordo com Goellner (2005; 2007), há uma rede de disputa de poder que se configura em função do gênero visto como algo diretamente associado ao sexo. No esporte não seria diferente. As diferenças entre homens e mulheres, conta, são justificadas de modo essencialista a partir da biologia: mulheres seriam frágeis e homens aventureiros, por isso, apenas eles seriam livres e aptos para a competição.

Na mesma perspectiva, a torcida feminina é vista como menos “entendida”, as mulheres são comumente assediadas nos estádios, as jogadoras não têm condições mínimas de trabalho, as demais profissionais envolvidas no esporte não recebem o mesmo tratamento que os homens e a cobertura midiática do trabalho feminino com futebol dentro e fora do campo apela constantemente para os atributos físicos ou para os erros das profissionais mulheres que são, de antemão, piores que os cometidos por homens. Em tal cenário, impossível não ouvir a narração de Isabelly como um grito de resistência feminina num esporte que há anos promove a exclusão das mulheres.

Vanessa Costa
Doutoranda do PPGCOM-UFMG

Petra Fantini
Graduanda em Comunicação pela UFMG



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