Análise | Gênero e sexualidade Movimentos sociais e ativismo

Assédio sexual no transporte público: o acontecimento comum que não pode ser banal

Nos últimos 45 dias, pelo menos quatro homens foram detidos por abusar de mulheres no transporte público, e a hashtag #MeuMotoristaAbusador, criada em função de (mais) um estupro no Uber, nos mostra que essas situações são corriqueiras em centros urbanos. A visibilidade dada a esses acontecimentos revelam uma face hostil de nossa sociedade, e também outra de resistência, de mulheres mais dispostas a denunciar agressões e a lutar contra a normalização de violências.

Arte: Barbara Ruffato/Texto: Nathalie Lourenço

A violência contra a mulher, apesar de ser uma prática corriqueira em nossa sociedade patriarcal, não é tão discutida em público. As estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2015) revelam que a cada dia mais de 10 mil mulheres sofrem agressões físicas, e que uma mulher é violentada a cada onze minutos no Brasil. Os dados dão a ver a gravidade desse problema em nosso país, e também o quanto ele é invisibilizado e pouco denunciado.

No final de agosto e no decorrer de setembro, alguns casos de assédio foram manchetes dos principais portais de notícia do país. Primeiro, a escritora Clara Averbuck foi vítima de estupro de um motorista do Uber. Um dia depois, um homem foi preso em flagrante após ejacular em uma mulher dentro de um ônibus em plena avenida Paulista – e foi liberado menos de 24hs após o ocorrido por, segundo o juiz responsável, não ter havido “constrangimento, tampouco violência“. O mesmo homem repetiu o ato 4 dias depois, o que levou à sua prisão preventiva. Mais recentemente, outros dois homens foram presos pelo mesmo motivo.

Todos esses casos tiveram ampla repercussão, tanto nas redes sociais quanto em mídias tradicionais – que obviamente repudiaram a ação dos abusadores e também a soltura prematura do abusador do ônibus. A denúncia de Clara Averbuck gerou uma hashtag no twitter, #MeuMotoristaAbusador, em que outras centenas de mulheres denunciaram os abusos sofridos em ônibus, táxis, ubers e demais formas de transporte – revelando que esses traumas não são casos isolados ou exceções, e sim uma regra da experiência pública feminina. Tanto o é que, em algumas capitais brasileiras, foi preciso criar os polêmicos “vagões femininos” nos trens e metrôs (cuja intenção é proteger as mulheres de abusos, mas acaba também por segregar e limitar a presença delas num espaço que é público e deveria acolher a todos e todas).  

Porém, mesmo com a indignação detectada na repercussão desses acontecimentos, menos de uma semana depois dos casos de assédio no transporte público, a palavra “ônibus” foi a mais procurada no site de pornografia XVideos. Ou seja, por mais que tais atos sejam repulsivos e condenáveis, o desejo masculino de dominação do espaço público e pelo poder de sujeitar mulheres a situações degradantes é forte e latente. A cultura do estupro permanece.

Se tudo isso revela um fundo perverso e doente de nossa sociedade, ainda tão hostil para mulheres, também dá a ver como pequenos avanços vão ocorrendo, e o quanto é importante dar voz àquelas que denunciam essas agressões. Quebrar o silêncio em torno desses abusos, dar visibilidade a casos cotidianos, ouvir as vítimas e abrir canais para que agressões e agressores sejam denunciados e punidos, é também uma forma de conscientizar a todos de que abusos não podem mais ser banalizados, e que os espaços públicos também são espaços de e para mulheres. Parafraseando um dos cartazes da campanha “Meu corpo não é público”, os ônibus são públicos. O corpo das mulheres, não.

Mayra Bernardes
Mestranda em Comunicação do PPGCOM-UFMG



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