Análise | Gênero e sexualidade Internacional

Globo de Ouro 2018: feminismo e assédio em Hollywood

O Globo de Ouro, uma das premiações de cinema mais famosas do mundo, foi marcado, neste ano, pelo preto predominante dos vestidos das atrizes e pelas manifestações em apoio às dezenas de vítimas de abuso sexual na indústria do entretenimento. Uma semana depois, feministas francesas criticaram os protestos, reacendendo o embate de valores defendidos por diferentes vertentes feministas.

Foto: theloop.ca

O preto foi a cor predominante no tapete vermelho do Globo de Ouro, uma das premiações de cinema mais famosas do mundo. Neste ano, atrizes e atores se vestiram de preto da cabeça aos pés em apoio às dezenas de vítimas de assédio sexual que vêm denunciando publicamente seus abusadores desde outubro do ano passado, quando Harvey Weinstein foi acusado de abusar sexualmente de atrizes e ex-funcionárias.

Notadamente, os tapetes-vermelhos são um dos espaços de maior visibilidade no entretenimento mundial, e estar presente em um deles custa caro; de acordo com o The New York Post, somente a preparação de uma atriz custa em torno de U$$ 40 mil. No evento deste ano, além da exibição de trajes caríssimos, atrizes indicadas a prêmios foram acompanhadas por feministas de várias partes do mundo, dentre elas, Tarana Burke, mulher negra fundadora do movimento #MeToo, que foi acompanhante da atriz Michelle Williams. Para os homens, o apoio à causa apareceu com o uso de broches com a logo do movimento “Time’s Up” – em português, “o tempo acabou” -, fundado por um coletivo de mulheres de Hollywood que tem como objetivo combater o machismo e a cultura do estupro na indústria do entretenimento.

Tais protestos repercutiram bastante, e não puderam ser silenciados nem mesmo durante a premiação, onde as mais famosas aproveitaram seus segundos de fala para abordar pautas feministas. Nesse acontecimento, é interessante observar que os homens que compareceram ao evento, apesar de apoiarem a causa por meio do uso dos broches, nada disseram sobre o assunto, e a HFPA, responsável pela indicação e premiação dos profissionais do cinema, indicou apenas diretores do sexo masculino para a categoria “Melhor Diretor”.

Cerca de uma semana depois do Globo de Ouro, 100 mulheres francesas assinaram uma carta aberta, publicada no Le Monde, criticando o movimento #MeToo. Para as signatárias, as denúncias de assédio sexual representavam uma “onda puritana de purificação”, em que criminalizava-se o ato de seduzir uma mulher e punia-se com rigor excessivo seus algozes. A carta das francesas foi assinada por nomes famosos, como a atriz Catherine Deneuve, e no Brasil, foi apoiada por Danuza Leão.

Reacendeu-se então, a partir desses acontecimentos, um embate interessante de valores que perpassam vertentes do feminismo: a conduta moral dos homens x a liberdade e autonomia das mulheres. Essas diferenças foram apontadas por Simone de Beauvoir em 1947, ao comparar o modo de vida das mulheres norte-americanas com o das mulheres francesas – e demonstram um posicionamento mais explícito das francesas pela liberdade (e ousadia) sexual. O que deve ficar claro, no entanto (e o embate passou por aí) é que assédio não é apenas uma sedução desajeitada. É violência.

Não há vencedoras ou perdedoras nesse embate, e ambos os lados têm razão em seus argumentos; Afinal, todas as mulheres estão submetidas a uma lógica patriarcal e misógina, independentemente da nacionalidade. E a luta contra o machismo não se confunde com a defesa da liberdade sexual. O que se mostra, então, é a necessidade de compreendermos que sim, o feminismo é uma causa coletiva em prol das mulheres, mas que nem todas as mulheres são iguais ou agirão da mesma forma. Daí a necessidade do feminismo interseccional, que ressalta a importância de se avaliar as diferentes formas de ser mulher e de experimentar opressões de gênero em nossa sociedade.

Mayra Bernardes
Mestranda em Comunicação do PPGCOM-UFMG



Comente

Nome
E-Mail
Comentário