Análise | Música, arte e moda

Juntos e memes now

Consagrada no Oscar, a música Shallow ganha uma versão brasileira autorizada que rapidamente vira meme: zombar alivia um país sob pressão.

Crédito: MIKE BLAKE / REUTERS.
Crédito: MIKE BLAKE / REUTERS.

O hit “Shallow”, que ganhou notoriedade com a performance de Lady Gaga e Bradley Cooper na cerimônia do Oscar, foi liberado para receber uma versão da cantora Paula Fernandes. Em duas horas, a brasileira escreveu a letra de “Juntos”, tributo à música original, que conta com a participação de Luan Santana. A versão é em língua portuguesa, exceto pelo verso “juntos e shallow now”. O diretor-executivo da ACT10N, empresa que administra a carreira da artista, Marcelo Maia explicou o porquê. “A versão da Paula se chama ‘Juntos’ e a original se chama ‘Shallow’. ‘Juntos e shallow now’ significa que a ‘Juntos’ da Paula Fernandes e a ‘Shallow’ da Lady Gaga estariam unidas.”

A explicação não impediu um público habituado a fazer chacota na internet de rapidamente transformar o verso em um meme. Algumas das piadas estão disponíveis na coluna Quicando, de Susana Cristalli (apropriadamente nomeada Quem fala inglês meio embromation se identificou com “juntos e shallow now”). A zombaria com o verso – que literalmente significaria “juntos e raso agora” – foi não só vorazmente compartilhada, como assimilada de diferentes formas. Exemplos: a frase virou opção de corrida da Uber, legenda na foto de divulgação da Parada LGBT de BH, nome de festas e até flerte.

Por que tamanho sucesso de uma música tão ridicularizada? O cantor Daniel argumenta que “brasileiro gosta de pegar no pé”, mas esse argumento vale mais para outras “zueiras” de Twitter (modalidade em que vencemos três “Guerras Memeais”) ou outras críticas a versões brasileiras de sucessos internacionais do que para o volume de comentários que ajudou a transformar “Juntos” no “maior sucesso digital desde a mudanças da mídia física para a on-line”, segundo o CEO da ACT10N, Marco Serralheiro.

Em evento realizado pelo Gris, o professor Renné França contou um caso pessoal curioso, que pode ajudar a entender o acontecimento analisado. Durante as eleições de 2014, um post banal da foto de uma refeição à base de palmito foi um dos mais curtidos de suas redes sociais digitais. Renné atribui o fenômeno ao clima tenso que o país vivia: qualquer assunto diferente de política era escape das emoções negativas vividas naquele período. Tendo em vista como hoje o Brasil vive tempos delicados não só político-economicamente, como também por conta das sucessivas tragédias que vitimaram celebridades e anônimos, “Juntos e Shallow Now” parece um caso de “foto de palmito”. Estaríamos, como diz a sabedoria popular, rindo para não chorar.

Segundo o UOL, quando fez a versão de “Shallow”, “a ideia de Paula era, em tempos de polarização e acirramentos, versar sobre o sentimento de união tendo o amor como pano de fundo.” A cantora acabou unindo o país com um pano de fundo diferente: o riso.

Gáudio Bassoli
Mestre em Comunicação Social pela UFMG e Apoio Técnico do Gris



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