Como noticiar o acontecimento em Paris ocorrido fora do horário de fechamento dos jornais europeus logo na edição no dia seguinte e que, portanto, requer uma reorganização das práticas de produção jornalísticas? Para entender como os jornais impressos portugueses deram conta e enquadraram tal acontecimento, observamos a edição de sábado de quatro jornais lusitanos: Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Diário de Coimbra e Correio da Manhã.
Sexta-feira 13
Jantávamos tranquilamente em um tradicional restaurante em Coimbra, quando um garçom liga a televisão e nos deparamos com a imagem de Barack Obama prestando solidariedade aos mortos em Paris. Mas, quem são esses mortos? Quem são os terroristas? Naquele momento, pouco sabíamos. Voltamos ao hotel, cada um se fecha em seu quarto, mas todos estão conectados ou assistem à televisão portuguesa para saber mais sobre o acontecimento.
Sábado, dia 14
Na conferência de encerramento do SOPCOM na Universidade de Coimbra, Mark Deuze (Universidade de Amsterdan) perguntava-nos já no título da sua apresentação: How media industries and professionals are responding to media life?
A partir desta questão de Deuze, perguntamos: Como o jornalismo e os meios de comunicação se reorganizam e enquadram essa real life que foge dos horários de rotina de fechamento de edição? Para tentar respondê-la, ainda na manhã de sábado, compramos quatro jornais portugueses a fim de observá-los.
Considerando a capa dos jornais, o Diário de Notícias dedicou todo o espaço para o acontecimento, enquanto O Jornal de Notícias e o Diário de Coimbra deram grande destaque. Já o Correio da Manhã dedicou apenas uma faixa horizontal relativamente estreita no alto da página, onde apresentava uma imagem referente aos ataques.
Dos quatro jornais, três optaram por apresentar a manchete com uma estrutura bem similar: “horror/massacre/atentado em Paris”. Apenas o Diário de Notícias preferiu uma abordagem mais generalista: “Estado de emergência em Paris. Terror atinge a Europa”.
Possivelmente devido à limitação da fonte, houve uma repetição das imagens utilizadas para representar os atentados nos jornais, com predominância de fotografias compradas da Agência de Notícias Reuters. Além da pouca variedade de imagens, notamos que algumas delas foram editadas. No Jornal de Notícias, os reenquadramentos da fotografia realizados aproximam o leitor da imagem, aumentando o impacto visual da cena, recurso utilizado por pintores como Caravaggio no século XVI. Nesse jornal percebemos que, ao contrário do Diário de Notícias, a opção para chamar a atenção do leitor não foi o texto, mas uma bela (e dramática) imagem na primeira capa.
Se, por um lado, os jornais portugueses optaram por utilizar imagens repetidas, disponibilizadas pelas agências internacionais, por outro lado, o recorte e o posicionamento da imagem na capa e nas páginas internas dos jornais nos dão a ver a orientação editorial de cada jornal, tais como: o dramático enquadramento “renascentista” mencionado; a valorização dos dramas pessoais, com destaque especialmente na expressão de certos rostos; ou ainda, o acontecimento como tragédia coletiva, em fotos com enquadramento aberto, com grupos de pessoas e corpos cobertos. Os jornais impressos não nos acrescentaram informações diferentes daquelas que a TV levou aos nossos quartos de hotel nos primeiros momentos. No entanto, os diferentes enquadramentos das imagens de cada jornal nos afetam de maneiras distintas, seja o enquadramento das imagens como um drama pessoal que nos remete, por exemplo, às pessoas do nosso círculo afetivo que moram em Paris; seja como uma tragédia coletiva que nos leva a pensar nas questões relacionadas à segurança e às questões políticas e identitárias nos países europeus.
Graziela Valadares Gomes de Mello Vianna
Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG e pesquisadora do Gris/UFMG
André Melo Mendes
Professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG Pesquisadores do Gris/UFMG
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Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de dezembro, definido em reunião do Grislab.