Análise | Morte

O atentado que não terminou

Balas mataram Marielle Franco e Anderson Gomes, e, depois de morta, a vereadora ainda sofreu vários ataques por textos e imagens nas redes sociais. Reverberações dos crimes desnudaram ódio, preconceito e desonestidade. As investigações avançam, mas, um mês depois, ainda esperamos respostas: quem são os assassinos e os mandantes?

Foto: Jornalistas Livres

As mortes de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes na noite de 14 de março motivaram manifestações de solidariedade quase imediatas. Algumas, como as da página “Socialista de iPhone” e “Vem Pra Rua Brasil”, mostraram inclusive que ser conservador ou liberal não precisa significar necessariamente agir como um babaca. Entretanto, certa horda não demorou para atacar em três ondas inter-relacionadas: culpabilização da vítima, banalização da morte e compartilhamento de calúnias.

No primeiro ataque, Marielle foi culpada indiretamente pela própria morte, já que ela “defenderia bandidos” por estar filiada a uma ideologia que “entende a lógica” do crime (curioso é um grupo fazer isso e depois acusar a esquerda de “politizar” o assassinato).

Na segunda onda de ataques, mais sútil, tentou-se equiparar a execução da vereadora com crimes quaisquer, inclusive lançando-se mão do uso de fake news (uma notícia de 2016 foi dada como recente) ou apelando para o exemplo de policiais negras mortas esquecidas pela esquerda. Os nomes das policias, Fabiana Aparecida de Souza e Alda Rafael Castilho, não interessavam no post: o importante mesmo era demonstrar o “cinismo” da esquerda. Descobriu-se, então, que Marielle Franco citava nominalmente as duas PMs na tese “UPP: a redução da favela a três letras”, dando ênfase ao sofrimento dos familiares de policias mortos. Em seu mandato, foi muito prestativa e dedicada nesses casos, oferecendo ajuda a dezenas de famílias (fazendo muito mais na prática do que quem só resmunga e, pior,  ameaça).

A terceira onda de ataques, talvez a mais perversa, foi das fake news que ligaram Marielle ao crime organizado, usando informações simulando credibilidade e imagens que sequer retratavam a vereadora. Parte da grande mídia entrou na dinâmica das fake news, quando destacou em manchetes informação publicada por desembargadora, para, ao longo das próprias matérias, colocá-la em xeque: a fonte da informação foi “o Facebook de uma amiga”. O uso oportunista de uma figura de autoridade para levantar suspeitas infundadas pode ter arranhado a imagem pública da vereadora. Porém, rendeu processos judiciais a vários caluniadores, fazendo desmoronar a reputação deles.

Sobre o uso de imagens falsas, não foi a primeira vez que a morte de uma pessoa negra originária da favela, em um assassinato onde a suspeita recai sobre agentes e ex-agentes de segurança, tenta ser “justificada” com fotografias “incriminadoras” de outras pessoas. Nosso racismo brasileiro é tão convenientemente cego que sequer diferencia caluniados de quem tem fisicamente pouco em comum além da cor da pele.

No mundo real, o rastro de sangue aumenta: Carlos Alexandre Pereira Maria, colaborador de vereador ouvido no caso Marielle, foi assassinado. A possível ligação entre os crimes é investigada. Digitais parciais dos assassinos da vereadora foram encontradas nas munições de um crime que parece ter as digitais da milícia… Mas continuamos perguntando: quem matou e quem mandou matar Marielle Franco?

Gáudio Bassoli
Mestre em Comunicação Social pela UFMG e Apoio Técnico do GrisLab



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