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O caso Mallu Magalhães: quem presta para cantar samba?

Os posicionamentos de Mallu Magalhães no embate iniciado com a divulgação de seu novo single, “Você não presta”, revelam que ações racistas não passam mais despercebidas atualmente. Por isso, é importante que pessoas brancas estudem sobre racismo estrutural, para compreender como se beneficiam dessa construção e reconhecer qual a parte lhes cabe na perpetuação das desigualdades, em vez de defender a falácia do racismo reverso.

Fonte: Youtube/Reprodução

As últimas ações de divulgação da “nova fase” da carreira de Mallu Magalhães ganharam destaque nacional por terem reacendido, mais uma vez, os embates em torno da questão racial na música brasileira. A cantora deixou de lado o estilo indie folk no qual vinha investindo até então para se enveredar pela seara do samba e da MPB clássica.

A primeira ação polêmica foi no fim de maio, com o lançamento do videoclipe “Você não presta”, duramente criticado por reafirmar a objetificação dos corpos negros e a representação de negros associada a estereótipos negativos, como o da precariedade e selvageria. Diversas vozes importantes do movimento negro e da crítica musical foram acionadas para analisar a produção e, dada a pressão dos diversos públicos mobilizados por esse acontecimento, a cantora emitiu um comunicado se desculpando pelo videoclipe.

A segunda ocorreu um mês depois, no final de junho, quando Mallu se apresentou no “Encontro com Fátima Bernardes” e fez a seguinte declaração antes de começar a cantar: “essa é para quem é preconceituoso e acha que branco não pode tocar samba”. A alusão à repercussão do videoclipe retomou o debate, então agravado pela menção a um suposto preconceito contra brancos, uma espécie de racismo reverso.

A fala equivocada de Mallu, uma cantora branca, resgata o histórico de racismo estrutural no Brasil e a criminalização do samba no início do século XX, quando sambistas, capoeiristas e praticantes de religiões afrobrasileiras eram presos sob a alegação de “vadiagem”, tipificada como crime no código penal até então. Após esse processo de higienização, o samba deixou de ser exclusividade das favelas e terreiros para adquirir status de “música popular”, passando a figurar em espaços midiáticos hegemônicos a partir de releituras brancas do ritmo e das temáticas abordadas nas letras.

Portanto, falar em racismo reverso enquanto se canta samba em um programa da Rede Globo e após reforçar estereótipos da população negra em um videoclipe é trazer à tona tanto uma apropriação da música negra dissociada de sua raiz política quanto uma possibilidade de apagamento da história e da cultura negra em um país racista. Felizmente, no contexto contemporâneo, a tolerância com representações midiáticas e discursos desrespeitosos vem diminuindo, e Mallu está sofrendo as consequências de sua declaração.

As investidas da cantora revelam seu desconhecimento sobre o contexto da história social do samba, o que remete a uma chaga profunda no Brasil: estudar e debater a história da cultura e das relações raciais continua sendo interesse apenas de pessoas negras, enquanto brancos ainda não reconhecem que as relações de raça também lhes dizem respeito – afinal, não são construídas apenas por negros, mas pelos sujeitos sociais em relação. É urgente que brancos também comecem a se informar e se questionar sobre as relações raciais, para compreender como se beneficiam da estrutura racista e entender a parte que lhes cabe na perpetuação da desigualdade dessas relações.

Lucianna Furtado
Mestranda do PPGCOM

Mayra Bernardes
Mestranda do PPGCOM
Pesquisadora do Gris



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