Análise | Celebridades e Figuras Públicas Gênero e sexualidade

Pode não beijar o noivo!

Os influencers Carlinhos Maia e Lucas Guimarães se uniram em uma cerimônia que nos revela como o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, mesmo sendo um direito previsto em lei, ainda é tabu em uma sociedade machista e homofóbica.

Um casamento entre duas celebridades é um acontecimento. Ao falarmos de um casamento entre dois homens, com declarações e atitudes controversas, ele ganha novos contornos e expõe como a sociedade lida com este ritual tão comum e ao mesmo tempo cheio de significados. Muito se falou sobre o badalado casamento do digital influencer e humorista Carlinhos Maia com seu então noivo, o modelo e também instagrammer Lucas Guimarães. Os dois se uniram em uma grandiosa festa para cerca de 600 convidados, em Canindé do São Francisco (SE), assistido por três milhões de pessoas em transmissão ao vivo pelo Instagram.

Os dois, que estão juntos há dez anos (mas assumiram o relacionamento em fevereiro de 2019) fizeram a opção de não se beijarem após a cerimônia e em nenhum momento da festa. Conforme afirmou a assessoria do humorista, “o perfil deles é demonstrar o amor e carinho com beijos no rosto, abraços, olhares e mãos dadas”. Dias antes, em declaração, Carlinhos Maia disse que “não era um casamento gay e sim a união de dois homens”.

O casamento é um ritual da nossa sociedade que atravessa os tempos, evocando inúmeros significados como os de amor, união e celebração. Em uma definição mais exata, podemos dizer que se trata de um vínculo estabelecido entre duas pessoas, mediante reconhecimento governamental, cultural, religioso ou social e que pressupõe uma relação interpessoal de intimidade. Desde 16 de maio de 2013, os cartórios em todo o Brasil não podem se recusar a celebrar casamentos civis de pessoas do mesmo gênero ou não converter em casamento uma união estável homoafetiva.

Quando falamos especificamente de duas pessoas do mesmo sexo se casando, estamos reforçando a legitimidade desses relacionamentos para nossa sociedade para além da esfera da lei, certo? Ao pensarmos em Carlinhos e Lucas e nas posturas adotadas por ambos para dizer de seu casamento talvez o reforço tenha sido o de que a relação homoafetiva deveria se manter restrita, escondida. Ainda que eles possuam o direito de se unir e essa união possa ser celebrada, não haverá demonstração de afeto como em casamentos heterossexuais: você agora não pode beijar o noivo!

Carlinhos é uma celebridade do Instagram seguida por mais de quinze milhões de pessoas. Sua profissão é mostrar dia a dia em cenas de poucos segundos através da ferramenta “Stories”. Seu personagem é ser ele mesmo, como o próprio afirma inúmeras vezes – o que torna ainda mais estranho uma postura “reservada” quanto a demonstração de afeto. Muita atenção foi dada às declarações e posturas dos noivos pela mídia e os seguidores massivamente concordam com o ídolo. Uma escolha aparentemente individual revelou e reverberou uma sociedade discriminatória, onde uns podem demonstrar mais o amor do que outros, contribuindo para a manutenção de valores machistas e homofóbicos presentes no Brasil.

O acontecimento se desdobrou, inclusive na briga de Carlinhos com célebres convidados para padrinhos até a desativação de contas nas redes sociais por alguns dias. O “casamento gay”, negado por Carlinhos e eclipsado por outras polêmicas, de certa forma realmente não aconteceu.

Eduarda Rodrigues
Mestranda em Comunicação Social pela UFMG



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