A morte de George Floyd, em Minneapolis (EUA), reacendeu as chamas do movimento antirracista norte-americano, gerando protestos em cidades dos Estados Unidos e em outros países do mundo. No Brasil, o número de negros morrendo por coronavírus e por violência policial é seis vezes maior.
Desde a morte de George Floyd, um homem negro norte-americano brutalmente assassinado por asfixia em uma abordagem policial violenta no último dia 25 de maio, os protestos incendiários que tomaram as ruas de várias cidades dos Estados Unidos se alastraram pelo mundo ocidental. Estamos em um mundo febril não só pela pandemia de coronavírus, mas também pela ascensão de regimes ultraconservadores, que sufocam as democracias e liberdades, que aprofundam as desigualdades e minam as possibilidades de vida em vários países do mundo. As chamas que engoliram uma delegacia em Minneapolis se alastraram pelas capas de jornais do mundo e chegaram aos corações de quem anseia por manifestar a revolta e o sofrimento que fazem parte da experiência diária de ser negro/a no Ocidente, sobretudo nos países que passaram séculos sob regimes coloniais e escravocratas, como é o caso do Brasil.
As chamas antirracistas que ardem neste momento no norte também ardem, há décadas, nas periferias brasileiras. Na mesma semana em que morreu George Floyd, morreu, no Rio de Janeiro, João Pedro Mattos, um jovem de 14 anos assassinado pela polícia, dentro da própria casa, com um tiro de fuzil nas costas. Ele, e tantos outros que já perdemos a conta – afinal, as forças policiais brasileiras mataram, em um ano, seis vezes mais pessoas negras do que as forças policiais norte-americanas. Isso sem contar com a subnotificação muito provável no momento de registrar a cor-raça das vítimas e a causa da morte.
E se falarmos de outro assunto que está em alta nos jornais do Brasil e do mundo, o Brasil também será campeão de mortes. O novo coronavírus mata mais de mil pessoas por dia no nosso país, que segue, em meio de uma pandemia global, sem Ministro da Saúde. E dessas tantas vítimas, mais da metade são negros e negras, como abordado em uma análise anterior. Essas pessoas estão mais vulneráveis não só pela letalidade social, política e ambiental provocada pelos efeitos do racismo na sociedade brasileira, mas também por serem mais suscetíveis a comorbidades como diabetes, hipertensão e anemia falciforme. Com o aumento do número de mortes e de casos e a ausência total de respostas efetivas para o combate à crise, que ultrapassa as barreiras da saúde, o que parece restar à maior parte da população brasileira é escolher entre morrer de coronavírus ou morrer de fome.
Na mesma semana em que tudo isso ocorreu, o presidente e seus correligionários seguem com seus discursos ignorantes em relação ao cenário catastrófico nacional e internacional, seguem propagando o ódio e reinventando códigos fascistas e supremacistas disfarçados de memes “inofensivos”. Mas não sem resposta: neste domingo (31/05), centenas de manifestantes antifascistas tomaram a Avenida Paulista, principal reduto reacionário desde as manifestações pró-golpe de 2015, para pedir respeito à democracia.
Seriam esses indícios de que a febre que obrigou o presidente Donald Trump a se recolher no bunker da Casa Branca no último domingo pode tomar as ruas do Brasil? Ainda é cedo para dizer. Nos resta, então, esperar para ver se a mesma febre que bateu à porta de Donald Trump chegará ao Palácio do Planalto e tomará as ruas das cidades brasileiras. A febre do mundo quer cura, e ela não virá de quem não tem apreço pela vida, sobretudo pelas vidas negras.
#VidasNegrasImportam
Mayra Bernardes, mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM UFMG, pesquisadora do GRIS e do Coragem – Grupo de Pesquisa em Comunicação, Raça e Gênero