Análise | Internacional

Quem liga para as crianças latinas?

Criança hondurenha levada por patrulheiros da fronteira dos EUA. Foto por John Moore/Getty Images.

“Papá! Mamá!”, chora uma criança latina separada dos pais por patrulheiros da fronteira dos Estados Unidos, em um centro de detenção no Arizona. Provavelmente, os pais ainda não puderam responder a seu choro, uma vez que estão presos, condenados pela doutrina de “tolerância zero” contra imigrantes, iniciada desde abril. Mas, graças a uma agente consular, o pranto abafado foi gravado e repassado para a agência de jornalismo ProPublica. Apesar de a criança permanecer sem colo, seu berreiro foi compartilhado por inúmeros veículos de todo o mundo. Quem escuta o áudio percebe que as vítimas do racismo desinibido do presidente dos EUA não são estupradores, traficantes ou “animais” nos termos de Trump. Longe de criminosos perigosos, são meninos e meninas, pequenos demais para cometer qualquer pecado. Trump já havia demonstrado ser irresponsável,  corrupto, e, dispensando eufemismos, estúpido. Porém, na semana passada, ele mostrou ser simplesmente cruel.

Uma das primeiras crianças a ser identificada pela imprensa foi Alison Jimena, uma menina de seis anos de El Salvador. Sua família, assim como muitos outros pais, mães e filhos/as separados/as na fronteira, vieram aos Estados Unidos buscando escapar da violência de um país assolado por guerras entre gangues. Esses migrantes, a maioria da América Central, são refugiados, que deixam suas terras natais buscando asilo político nos EUA.

No entanto, foram recebidos com ordens de prisão. Devido à nova política, qualquer pessoa passando ilegalmente pela fronteira é processada criminalmente, enviada para cadeias federais e isolada de qualquer menor que a acompanhe. Publicamente, essa doutrina é justificada por racismo e discriminação contra latinos, mas, por trás do fanatismo, há pura ganância: a política serve para alimentar a milionária indústria penitenciária estadunidense. O problema é que crianças, ao contrário dos adultos, não podem ficar em prisões. Então, elas são separadas dos pais e levadas a grandes depósitos onde são mantidas enjauladas. O Departamento de Segurança Doméstica confirmou que pelo menos 2.300 crianças e adolescentes foram isoladas nesses estabelecimentos. Várias organizações, como a Igreja Católica, associações de saúde mental e até a ONU fizeram declarações denunciando a prática como uma forma de abuso infantil.

Pressionado por todos os lados, Trump cedeu e assinou um decreto suspendendo a política, obrigando que as famílias se mantenham juntas enquanto esperam os processos legais. Mas engana-se quem acredita que os choros infantis seriam capazes de comover a impiedosa administração Trump. Mesmo diante do clamor popular contra o marido, Melania enviou uma mensagem nada discreta ao público: ao fazer uma visita a crianças migrantes, a primeira-dama vestiu um casaco com a frase “Eu realmente não ligo, e você?” estampada nas costas.

Milhares foram às ruas nos Estados Unidos, líderes de várias nações condenaram sua barbaridade e 17 estados estão processando Trump, respostas ao choro irrespondível das crianças latinas.

Sim, nós ligamos, Melania.

 

Caio Santos
Jornalista e comunicólogo graduado pela UFMG e apoio técnico do GrisLab



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