Análise | Internacional

Julian Assange e o futuro do hackativismo

A prisão do notório whistleblower e fundador do WikiLeaks é, em partes, uma conclusão de quase uma década de turbulências cibernéticas, diplomáticas e internacionais. Ainda assim, sua atuação fomenta debates que continuam a reverberar.

Foto: Alberto Pezzali/NurPhoto

Detido pela polícia britânica na embaixada do Equador, em 11 de abril deste ano, Julian Assange tornou-se uma das figuras públicas mais controversas da década. Desde a criação do WikiLeaks em 2006 à divulgação dos e-mails restritos da cúpula do Partido Democrata, culminando nos affairs pouco esclarecidos com Donald Trump e o Kremlin nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016, a figura de Assange acumulou sentidos diversos: herói, terrorista, traidor da democracia, perseguido político. São muitos os admiradores e detratores, aliados célebres e inimigos declarados.

De uma só vez, o governo equatoriano revogou seu status de asilado, que tinha desde 2012, e a cidadania equatoriana, concedida em 2017, abrindo o caminho para que os mandatos de prisão, acumulados ao longo dos anos no Reino Unido e nos Estados Unidos, fossem cumpridos. O whistleblower (pessoa que expõe informações e condutas ilegais e/ou antiéticas, públicas ou privadas – literalmente assoprador de apito) foi acusado de invadir computadores restritos e de quebrar uma senha do Departamento de Justiça dos EUA em associação a Chelsea Manning, ex-soldada do exército americano – havia sido condenada a 35 anos de prisão, cumpriu sete, sendo perdoada por Barack Obama. Desta invasão, foram divulgados vídeos de ataques aéreos no Iraque e Afeganistão, que resultaram na morte de jornalistas e civis, além de um enorme compilado de documentos chamados Iraq War Logs. A repercussão internacional foi grande, e Assange tornou-se célebre; acusações de crimes de guerra pairaram sobre os Estados Unidos, que revidou sobre whistleblower, dando início a sua saga de asilado político. A pressão norte-americana não o impediu de continuar se movimentando na cena política e cibernética mundial; o WikiLeaks continuou com o seu propósito, mas, ao longo dos anos, percepções sobre as reais motivações dos vazamentos foram colocadas em evidência.

Para além das críticas que questionam uma certa seletividade política da organização, este acontecimento nos faz retomar as reverberações passadas envolvendo Assange e o WikiLeaks. As atividades do whistleblower iniciaram um debate sem precedentes sobre o dever de accountability dos governos democráticos; jogaram luz sobre a coleta de dados de usuários pelas grandes empresas de tecnologia; ajudou, junto a Edward Snowden, a revelar espionagens internacionais por parte dos EUA. Sem os Iraq War Logs, as acusações de violação de direitos humanos contra os EUA não encontrariam provas sólidas e projeção mundial.

O cerco contra o WikiLeaks – além daqueles contra os hackativistas Manning e Snowden – também mostra uma determinação de certos países em suprimir desagrados dissidentes. Essas vozes se mostram particularmente perigosas para as instituições, enquanto despertam endossos e críticas dos públicos. A colaboração internacional EUA – Equador – Reino Unido – Suécia, neste caso, deixa tal “potencial perigoso” bastante evidente. Isso acaba ameaçando, por consequência, as liberdades de imprensa, como o relacionamento jornalista-fonte, e a transparência das administrações, estabelecidas pelas diversas constituições democráticas pelo mundo.

O futuro de Julian Assange não parece muito promissor – há conversas sobre extraditá-lo para os EUA, que já estão em posse de todos os seus pertences pessoais. No entanto, as reverberações de suas ações no decorrer da última década foram muitas e são extensas demais para se encerrarem com este acontecimento. Em todo o mundo, ativistas digitais e organizações pressionam e expõem políticas opacas de privacidade de dados e de neutralidade da web; mídias como The Intercept e The New Yorker começaram a trabalhar com protocolos para o envio de informações e documentos sigilosos; ações têm se transformado em legislações, como o Marco Civil da Internet do Brasil, de 2011. Nossa percepção de privacidade e segurança na web foi profundamente alterada nesses últimos anos. Embora o cerco contra o Assange tenha efetivamente se fechado, as questões que emergiram junto com o WikiLeaks continuam na ordem do dia.

Pedro Paixão Rocha
Graduando em Jornalismo pela UFMG e bolsista de iniciação científica do Gris



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