Ações coletivas organizadas por stans de Kpop chamaram a atenção durante diversos acontecimentos neste ano; não por seu caráter de novidade ou tendências políticas, mas pelas ferramentas utilizadas e alvos escolhidos.
O Kpop (pop coreano) tornou-se onipresente no cenário midiático ocidental, seja nas paradas de sucesso ou nas redes sociais digitais. Embora nem todo mundo conheça as músicas ou os idols (como são chamados os artistas), é muito provável que já se depararam com uma enxurrada de imagens de jovens asiáticos descolados executando coreografias complexas em vídeos coloridos em algum canto da Internet. Essa visibilidade acontece graças ao trabalho dos Kpop stans.
Esses grupos se mobilizam principalmente nas redes sociais digitais, disparando fancams (pequenos vídeos de astros do Kpop utilizados para gerar spam no Twitter), levantando diversos trending topics ao longo do dia e agrupando-se para assegurar que seus ídolos conquistem as melhores posições nas paradas de sucesso — o hit mais recente “Dynamite”, da banda BTS, quebrou diversos recordes das plataformas digitais e estreou em #1 no Billboard Hot 100, um feito inédito para artistas coreanos. Suas últimas ações, no entanto, ultrapassaram os limites do entretenimento e tornaram-se políticas.
No contexto da onda de protestos do #BlackLivesMatter, a polícia de Dallas (EUA) lançou um aplicativo para recolher denúncias das manifestações e imagens de seus participantes. No entanto, em protesto contra a situação, e buscando enfraquecer esse tipo de vigilância, os stans passaram a enviar as mesmas fancams que irritam tuiteiros diariamente para o app, causando uma sobrecarga que fez com que ele saísse do ar. A mesma estratégia foi replicada no Twitter e no Instagram, quando as hashtags #WhiteLivesMatter e #BlueLivesMatter (referência à cor do uniforme dos policiais) começaram a ganhar força na rede; no lugar de fotos de pessoas brancas e policiais fardados, surgiram milhares de imagens e vídeos de artistas coreanos.
Outras ações coletivas foram creditadas aos stans: reservaram em massa, junto de usuários do TikTok, lugares no comício de Donald Trump (que chegou no lugar e encontrou seu evento sold out totalmente esvaziado). Após o BTS anunciar a doação de 1 milhão de dólares para o movimento antirracista, seus fãs, chamados de Armys, lançaram a tag #MatchAMillion e atingiram em doações um valor superior ao ofertado pelos ídolos; a versão nacional dos Armys já arrecadou R$ 25 mil para ajudar na contenção do incêndio que devasta o pantanal.
O New York Times chamou a atenção para as características dessa legião de fãs ocidentais de astros coreanos: são nativos das redes sociais; são uma audiência majoritariamente formada por mulheres e pessoas não-brancas; e, além disso, conseguem empregar suas táticas de divulgação massiva de seus idols para fins sociais e políticos. Embora o pop da Coréia do Sul seja apolítico e meticulosamente esterilizado em sua essência, suas mensagens de auto-aceitação e empoderamento pessoal têm o potencial de adquirir um caráter político ao entrar em contato com outras audiências.
O ativismo político do stans chocou comentadores políticos e geraram inúmeraspeças de opinião que tentaram explicar o fenômeno, e chegou a gerar temor em Seoul, que depende da simpatia do atual líder norte-americano para mediar suas relações com os vizinhos do Norte. Além disso, de certa forma, alguns usuários de redes sociais que costumavam ficar irritados com a invasão de fancams e trending topics exaltando tais idols, começaram a ver esses fãs com outros olhos. Ficou claro que esse poder de mobilização em prol de ídolos pode, sim, ser convertido em engajamento político e cívico. Como apontado por Henry Jenkins em seu conceito de “cultura participativa”, muito além de receptores passivos, os fãs ressignificam conteúdos e ações, ampliando seu alcance e impactando diretamente áreas como política e sociedade.
Evelly Lopes, graduanda em Publicidade e Propaganda na UFMG e integrante do Gris
Pedro Paixão, graduando em Jornalismo pela UFMG e integrante do Gris