Análise | Esportes Movimentos sociais e ativismo

BH, abertura da Copa. Um cinema “quebrado”. Uma biblioteca “destruída”.

Diário da Copa – No dia da abertura do Mundial manifestantes reuniram-se no Centro de Belo Horizonte e seguiram até a Praça da Liberdade. A notícia de que durante o ato uma biblioteca e um cinema foram apedrejados dividiu opiniões e despertou posicionamentos indignados.

 

“Quebraram a Biblioteca Pública! E o Cine Belas Artes também. Gente, esses vândalos já passaram dos limites há muito tempo!”. Frases como essas povoaram as redes sociais no último dia 12 de junho – data da abertura da Copa do Mundo FIFA 2014. Em Belo Horizonte e em diversas outras localidades do país, a ocasião foi marcada pelo início dos protestos (já aguardados) simultâneos ao campeonato. A primeira iniciativa dessa natureza na capital mineira foi o 12J – Ato Nacional: Copa sem povo. Tô na rua de novo.

Naquele dia, os participantes do protesto em Belo Horizonte saíram da Praça Sete (hipercentro da cidade) e deslocaram-se em direção à região da Praça da Liberdade – onde está localizado o relógio da Copa, além de importantes pontos turísticos e culturais do município, como os dois espaços citados na abertura desse texto. O 12J teve uma repercussão considerável na internet. E, a partir dela, gostaríamos de destacar alguns pontos.

Em primeiro lugar, impressiona a quantidade de análises precipitadas que circulam pelo mundo virtual sempre após qualquer ato dessa natureza. Claro que, em meio a eventos que mexem conosco, tentativas de fornecimento de respostas rápidas (mesmo que equivocadas) fazem parte do próprio processo de assimilação do acontecimento. Mas, em tempos de redes sociais, é preciso ter ainda mais cautela com as versões disponibilizadas (e replicadas). Muitas delas podem apresentar equívocos e, uma vez compartilhadas, se perderão na velocidade da rede, reverberando uma visão deturpada dos fatos. Entre essas análises precipitadas, encontramos internautas que saíram em defesa da suposta depredação da biblioteca, com a tese de que o local simbolizaria nossa cultura elitista, bem como o acesso restrito à educação em nosso país. O argumento poderia até soar razoável se não fosse por um único detalhe: a Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa não sofreu nenhum tipo de dano naquela data. Os boatos de “destruição” do espaço foram desmentidos pela própria assessoria de imprensa do local no dia seguinte.

Já o episódio da “quebradeira” no Cinema Belas Artes nos ajuda a pensar em outra questão. Segundo depoimentos de alguns manifestantes, as pessoas que atiraram pedras em vidraças do imóvel nem sabiam que o espaço se tratava de um cinema. De acordo com os relatos que circularam pelas redes sociais, as pedras foram lançadas por garotos e garotas que, em tese, não faziam parte do ato e “encontraram no protesto uma oportunidade de se expressarem”. No entanto, na rapidez dos comentários na internet, a ação foi associada à tática black bloc. Daí veio a indagação: estariam esses ativistas desviando o foco de suas intervenções dos símbolos do capitalismo ou das instâncias governamentais para agora também atacarem cinemas?

Esse questionamento toca em uma das questões problemáticas acerca do assunto “black bloc”. Em tese, a ação tem como uma das características o ataque a alguns espaços, mas nem todo mundo que depreda algo é adepto à tática black bloc. Porém, grande parte da população coloca o ato de quebrar vidraças (ou de simplesmente estar mascarado) como sinônimo desse tipo de intervenção. Daí vem o ponto frágil dessa natureza de performance: por ser uma tática (e não um grupo) e, principalmente, por ocultar a identificação dos seus partidários, qualquer pessoa pode se apropriar dessa modalidade de ação como bem quiser: para quebrar o vidro de um cinema ou até mesmo para atirar um rojão desgovernado no meio de uma manifestação. Dessa forma, legitimar o viés político da tática torna-se uma tarefa muito mais complicada e a criminalização é vista como o caminho mais coerente para a maioria das pessoas. E foi justamente o que se percebeu por meio das críticas após o “quebra-quebra” da Praça da Liberdade: “Black blocs, dessa vez não tem desculpas. Agora, vocês passaram dos limites!”.

Posts publicados no Facebook sobre o assunto:

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Foto: Pedro Gontijo / O Tempo.

Raquel Dornelas
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do Gris/UFMG



Comentários

  1. Raquel Dornelas disse:

    Bem pontuado, Gáudio. A questão do cerco ao relógio da Copa foi algo que realmente chamou a atenção. A proteção àquele símbolo foi tão desproporcional e a preocupação tão exacerbada que o fato em si já renderia uma outra análise.

    Com relação à viatura do Detran, surgiu na internet o questionamento se os responsáveis seriam realmente integrantes do ato ou policiais infiltrados. Infelizmente, uma indagação recorrente em todos os protestos desde junho de 2013.

    Obrigada pelos comentários!

  2. Gáudio Luiz disse:

    Bela análise Raquel. Além de pensar a questão da tática Black Bloc, também é interessante notar que surgiram questionamentos na grande mídia e nas redes sociais em torno da atuação da polícia militar – que foi muito eficiente na proteção do “relógio da Copa” enquanto acontecia o chamado “vandalismo”.
    http://globotv.globo.com/rede-globo/mgtv-1a-edicao/t/edicoes/v/tenente-coronel-alberto-luis-comenta-acao-da-policia-durante-manifestacoes-em-bh/3416039/
    Além do cinema e da biblioteca, um carro da polícia civil foi virado. Se existem pessoas que pensam como no primeiro comentário, que papel de policial é “sentar a porrada”, fica difícil parar pra refletir no quão conveniente os acontecimentos do dia 12 foram para a repressão dos dias posteriores, quando a polícia cercou manifestantes com a estratégia conhecida como Caldeirão de Hamburgo.
    http://www.otempo.com.br/capa/brasil/caldeir%C3%A3o-de-hamburgo-%C3%A9-t%C3%A1tica-criada-por-alem%C3%A3es-em-1986-1.866251
    Fica a pergunta: será que prevenir é sempre o melhor remédio?

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