O acontecimento em imagem: o nascimento do primeiro gorila em cativeiro
O primeiro gorila nascido em cativeiro na América Latina é tema da nova seção do Grislab, em que acontecimentos são analisados à luz das imagens divulgadas junto às notícias. O bebê nasceu no zoológico de Belo Horizonte e ganhou destaque nas capas de jornais, especialmente no Estado de Minas. Na publicação, a foto teve mais espaço que a manchete principal e se configurou um importante acontecimento. O professor André Melo Mendes analisa a composição desta imagem.
A imagem analisada neste mês foi veiculada na primeira página do Jornal Estado de Minas do dia 04 de setembro e se refere ao nascimento do primeiro bebê gorila em cativeiro na América Latina, no zoológico de Belo Horizonte. Esse acontecimento tem sua importância aumentada se for considerado que, há um bom tempo, os biólogos dessa instituição vêm tentando reproduzir a espécie sem sucesso. Apesar de não ser a manchete principal, ela ocupa uma posição de grande destaque no jornal, sendo sua área maior do que a manchete principal, que não foi ilustrada.
Do ponto de vista formal, podemos afirmar que a imagem se constitui basicamente de uma mancha elíptica escura sobre um fundo claro. Na forma escura, que ocupa cerca de dois terços da imagem, percebem-se dois gorilas. Devido ao contraste de tamanho, especialmente da cabeça e da mão, há uma tendência a se pensar nesses dois gorilas como adulto e bebê. A proximidade entre os dois e o gesto do menor agarrando o corpo do maior sugerem uma relação íntima. Sensação reforçada pela maneira como o bebê se encontra aninhado ao corpo do outro. Próximo ao cotovelo do pequeno, quase encoberto, podemos perceber um ponto escuro e intumescido, que é o bico do seio do gorila adulto. A percepção do seio do animal reforça sua identidade como fêmea e provável mãe do rebento.
A ideia de maternidade é reforçada pela pose escolhida para ser veiculada na capa do jornal. Essa pose dialoga com a tradicional iconografia da Virgem Maria e o Menino Jesus no seu colo. A referência à iconografia cristã não se limita à Madona e à criança, mas também ao nascimento de Cristo por meio da palha que aparece em primeiro plano. A palha remete a Cristo na manjedoura, uma referência muito comum nos presépios e também na pintura cristã, principalmente a partir do Renascimento, como se pode notar, por exemplo, em Birth of Christ (1528) de Correggio.
O olhar do animal adulto parece compenetrado e sério, direcionado para algum ponto fora da imagem, o que, por analogia com os seres humanos, alude que ele esteja devaneando. O rosto do bebê está interditado ao leitor, o que faz com que o rosto da sua mãe ganhe mais destaque e que o leitor o associe às elipses brancas situadas logo acima da sua cabeça. Essas elipses brancas com nomes masculinos manuscritos em caixa alta são uma referência à cultura pop, especialmente, às histórias em quadrinhos, em que esse tipo de recurso tem a função de apresentar o pensamento do personagem.
Os aspectos formais e a composição sugerem tratar-se de uma mãe e seu filhote, mas como o nascimento do bebê já foi noticiado há algumas semanas, existe uma expectativa de que aquela reportagem traga alguma novidade sobre esse assunto devido ao destaque dado à imagem. Essa novidade é indicada pelo balão de pensamento inserido logo acima da cabeça do gorila, que apresenta uma enumeração de nomes masculinos bem curiosos, como Zimba, Agbar, Guti e 7X1, o que dá a entender que a mãe está pensando sobre o nome do seu filho.
A fusão entre imagem e texto é um recurso expressivo utilizado tanto na arte quanto na literatura e é atualizado nessa imagem por meio da inserção dos balões de pensamento na fotografia. Entre os vários nomes escolhidos, destaca-se “7X1”. A referência à iconografia cristã ajuda a humanizar os gorilas e a sensibilizar o leitor enquanto o uso de balões cria uma atmosfera descontraída, com algum humor, que é reforçada pela inclusão de nomes curiosos.
A opção pelo aparecimento do nome “7X1” no meio dos outros nomes é um detalhe que merece destaque porque é pouco provável que esse seja o nome escolhido para o bebê. Assim, sua escolha para figurar na capa do jornal é uma espécie de comentário irônico e catártico ao recente vexame da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo realizada no seu próprio país.
André Melo Mendes
Professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG e pesquisador do Gris/UFMG