A denúncia de violência doméstica feita pela modelo Luiza Brunet revelou como ainda falta muito para a emancipação da mulher. Mesmo vendo o resultado da briga em sua companheira, um olho roxo e quatro costelas quebradas, o milionário acusado da agressão se defendeu com justificativas dignas da década de 1940, quando era legalmente autorizado bater em uma mulher. No entanto, vemos que a coragem de Luiza Brunet, ao tornar o caso público, demonstra conquistas que o sexo feminino já conseguiu até aqui.
Um tumulto que lembra aqueles publicados por revistas que acompanhavam de perto a vida amorosa das estrelas de rádio na década de 1940. Um casal da elite brasileira se envolve em uma briga doméstica. Os dois jantam em um restaurante de luxo em Nova Iorque e seguem para a residência do homem, onde a confusão ocorre. A mulher é agredida com um soco no olho e chutes; é imobilizada pelo companheiro, que só a solta após ela ameaçar chamar o concierge. Tranca-se no quarto e sai de lá no dia seguinte, direto para um voo com destino de volta ao Brasil.
Quando o episódio se torna público e é explorado pela imprensa, o acusado de violência contra a própria companheira diz lamentar que “versões distorcidas sobre um episódio ocorrido na intimidade estejam sendo divulgadas como única expressão da verdade”. E mais, que ele é a vítima de uma mulher agressiva, que o feriu em uma briga anterior, sendo levado ao hospital e tomado 10 pontos.
A repercussão se assemelha à separação do cantor e ator Herivelto Martins da cantora Dalva de Oliveira, conhecida na época de ouro do rádio como o rouxinol brasileiro. As publicações naquele tempo seguiram as trocas de farpas em músicas e as acusações entre o casal. Isso ocorria no momento em que os Anos Loucos pós-guerra já eram passado. O sexo feminino voltara a ser visto como responsável pela felicidade do casamento, o que incluía submissão total ao homem. Nesse contexto, o crime passional se torna corriqueiro no cotidiano do país. Crescia o número de juristas que defendia o homem como nato para esse tipo de crime, pois a paixão o aproximava da loucura, isentando-o de seus atos. O crime passional era explicado como uma extensão do instinto sexual. O homem podia trair e bater na sua esposa, e tudo isso era concernente ao foro íntimo do casal. Já a mulher deveria manter a passividade, aceitando os casos extraconjugais, assim como as bofetadas.
Mas, curiosamente, o acontecimento narrado no início deste texto é do século XXI. Precisamente da semana passada, quando a modelo Luiza Brunet revelou a uma coluna de jornal o que passou nas mãos do companheiro com quem vivia há cinco anos. Admitiu ter tido vergonha, mas, como uma figura pública, decidiu divulgar o fato. Ela teve o privilégio de expor algo que muitas mulheres foram obrigadas a reprimir nas décadas anteriores e ainda são pressionadas até hoje.
Já o acusado, Lírio Parisotto, empresário que figura na lista dos 600 homens mais ricos do mundo, respondeu à altura de um burguês do século XX: chocado com a divulgação de um episódio íntimo, tentou colocar a culpa na vítima, atribuindo a ela um temperamento duvidoso. Na década de 1940, chamava-se isso de histeria. A tentativa de desqualificar a mulher é a mesma daquele patriarcado que ainda habita nossa sociedade.
Assim, vemos como os célebres são relevantes no momento atual, pois auxiliam seus públicos a interpretar determinadas situações e a rever ou reafirmar seus valores. No caso de Luiza Brunet, por mais doído que tenha sido mostrar seu olho roxo ou contar que teve quatro costelas quebradas por aquele que deveria amá-la, a modelo deixou claro que, hoje, nada – nem mesmo uma das maiores fortunas do mundo – é capaz de calar uma mulher.
Juliana Ferreira
Mestranda do PPGCOM-UFMG
Pesquisadora do Gris
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de julho, definido em reunião do GrisLab.