Análise | Internacional Morte

A morte de Fidel Castro, estereótipos e símbolos da esquerda

Fidel Castro morreu em 25 de novembro de 2016 com 90 anos, de morte natural, depois de mais de 630 tentativas falidas de assassinato e de um trajeto político relevante de pouco mais de meio século. Embora o ex-presidente cubano estivesse fora do poder há dez anos, por motivos de saúde, e inclusive quando o mundo todo aguardava a notícia de sua morte a qualquer momento, as reações diante do acontecimento surpreenderam e exigiram definições intransigentes de posicionamentos ideológicos.

Fonte: Facebook

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Os principais meios de comunicação internacionais, incluindo os não tão reconhecidos, ofereceram uma cobertura ampla sobre a repercussão da morte de Fidel Castro, as reações dos cubanos e de importantes líderes e intelectuais. As manchetes dos jornais tentavam manter uma posição de respeito à figura histórica que representou Fidel no século XX, além dos critérios políticos. Outras mídias, como a Folha de S. Paulo, prescindiram desses princípios jornalísticos, legitimando o discurso que apaga o “líder revolucionário” e privilegia a imagem de “ditador cubano”.  

No contexto político do Brasil hoje, a morte de Fidel Castro, uma figura ligada ao PT, serve de plataforma de ataque contra os movimentos populares que enfrentam o governo atual de Michel Temer. Uma mídia hegemônica que abertamente apoia as estratégias dos círculos de poder brasileiros deve considerar que o discurso contra o PT, Lula, Dilma e a esquerda terá que passar também pela desconstrução do símbolo que representa Fidel Castro para o espírito revolucionário na América Latina.

Assim, a morte de Fidel propiciou focar nas falhas econômicas do sistema socialista em Cuba, nos mitos de pobreza extrema, nas violações aos direitos humanos e no afogamento de liberdades dos cubanos sob o regime castrista, como consequências negativas do que pode representar um projeto da esquerda. A abordagem midiática trouxe de volta, em vários casos, esses estereótipos antigos criados em torno da polêmica realidade cubana e acionados frente aos debates sobre o futuro político no Brasil nessa temporalidade múltipla de passado, presente e futuro que inaugura o acontecimento midiático (ANTUNES, 2008).

Há muito tempo Cuba tornou-se uma divisão simbólica entre ideologias de esquerda e direita no Brasil, sob a repetida frase “vai para Cuba”. Ou seja, basta reconhecer alguns aspectos positivos do sistema cubano para ser chamado de “comunista”, e aí não parece possível poder ficar no Brasil, tem que ir para Cuba.

Esses enquadramentos derivam das concepções ainda limitadas sobre o que representa a esquerda ou a direita, o comunismo e o socialismo, com abordagens extremamente fechadas e excludentes por natureza. A Revolução Cubana de 1959 significou uma transformação estrutural que criou melhores condições de vida para a população, em termos de acesso gratuito aos serviços públicos de saúde e educação, proteção aos setores historicamente desfavorecidos, distribuição social da terra etc. É possível avaliar agora, depois de 57 anos, os resultados positivos e as falhas desse processo que, em sua condição experimental, têm ensinado erros e acertos da implementação de um sistema político alternativo ao capitalismo. Considerar apenas a relevância dessa Revolução de 1959, ou apenas os problemas e desafios da Cuba de hoje, significa ignorar uma história de transformações sociais de meio século.

Nas redes sociais, as discussões em torno do legado deixado pelo líder revolucionário chegaram também a afetar os relacionamentos pessoais entre os cubanos que moram dentro e fora da Ilha. As ondas de migração cubana para os Estados Unidos e outros países têm gerado uma forte conexão da diáspora com os familiares e amigos que ficam em Cuba. Até agora, parecia existir um consenso entre a maioria dos cubanos de dentro e de fora do país quanto às críticas contra os erros do governo. No entanto, a reação de luto por parte da população da Ilha contrastou com as festas de celebração da morte de Fidel nas ruas de Miami, levantando questionamentos de ambos os lados nas interfaces entre política e humanidade.

Ao final, personagens históricos como Fidel Castro geram expectativas diferentes em milhares de pessoas e, certamente, nunca poderão cumprir com todas. Acontecimentos como esse revelam os diversos efeitos ideológicos que essas figuras provocam em um contexto específico, o que diz respeito ao poder de afetação do acontecimento, de acordo com a experiência dos sujeitos envolvidos (SIMÕES, 2014). Para algumas pessoas trata-se só de Fidel, para outros será sempre apenas Castro.

Referências:

ANTUNES, Elton. Acontecimento, temporalidade e a construção do sentido de atualidade no discurso jornalístico. Contemporânea, vol.6, n.1, jun 2008, p.1-21

ANTUNES, Elton. Acontecimento, temporalidade e a construção do sentido de atualidade no discurso jornalístico. Contemporânea, vol.6, n.1, jun 2008, p.1-21

Elisa Beatriz Ramírez Hernández
Jornalista Cubana
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social – UFMG

Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de dezembro, definido em reunião do GrisLab.



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