Acontecimento e publicidade

Quando a publicidade sai do armário

Observando as peças de propagandas veiculadas nas datas comemorativas nos últimos anos no mercado publicitário brasileiro, é possível perceber algumas mudanças na forma de tratar as minorias. O comercial veiculado pela O Boticário em celebração ao Dia dos Namorados de 2015 é um bom exemplo de como a publicidade tenta se adaptar aos novos tempos em que grupos anteriormente excluídos de voz e visibilidade têm conseguido acesso à mídia, inclusive à mídia tradicional.

Frames do comercial d’O Boticário.

Na propaganda, casais heterossexuais e homossexuais são representados de forma a não criar qualquer traço de distinção ou estereotipação entre eles. Em pouco tempo, aproximadamente sete dias, a campanha se tornou parte das mais diversas conversações públicas, principalmente nas redes sociais. A campanha tornou-se, enfim, um acontecimento: afetou e interpelou vários públicos a se posicionar e a atuar. O ápice dessa reverberação se deu no dia 02 de junho, momento em que o pastor evangélico Silas Malafaia convocou o público, por meio de um vídeo, a boicotar as empresas que associam seus produtos ao público gay, particularmente O Boticário.
A primeira reação diante do lançamento do vídeo do pastor foi a polarização dos públicos nos diversos sites de redes sociais. No dia seguinte à convocação de Malafaia, o vídeo de O Boticário já havia recebido 247 317 votos favoráveis, contra 161 768 “desaprovações”.
Em meio a uma disputa de sentidos sobre a campanha, a marca manteve seu posicionamento, reforçado por meio de nota e respostas aos diversos comentários e reclamações, reiterando o respeito à diversidade. A postura recebeu o apoio de diversas outras marcas, o que indica um avanço significativo na aceitação da diferença entre as orientações sexuais. Porém, não sejamos ingênuos de pensar que se trata apenas de um engajamento em uma causa social. Segundo o censo IBGE (2010, divulgado em 2011), casais LGBTs têm, proporcionalmente, renda média mensal superior à de casais heterossexuais, ou seja, é um público de alto poder aquisitivo, o que hoje é amplamente conhecido como pink money ou poder positivo de compra da comunidade LGBT [1].
Em outra ponta, ao convocar “a maioria”, os “defensores da família milenar” a boicotarem a marca, o pastor se posiciona não apenas de forma conservadora, mas opressora, repetindo uma postura comum à nossa sociedade que é a de enquadrar o diferente como errado e tentar enfraquecer sua voz, sua representação. Parte dessa intolerância está relacionada ao número reduzido de ações de mediação entre os grupos diferentes que coexistem numa sociedade. Nesse sentido, iniciativas como a propaganda da Boticário são muito importantes na medida em que contribuem para tensionar os consensos instituídos e para estabelecer uma melhor mediação entre os diferentes grupos que coexistem na nossa sociedade.

Pâmela Guimarães e André Melo Mendes
Mestranda do PPGCOM-UFMG / Professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Pesquisadores do Gris/UFMG

[1]  Para aprofundar mais sobre o assunto, ver  O Poder do Pink Money, Faturando o Pink Money, A Força do Pink Money.

Artigos acadêmicos: Pink Money: O Potencial do Mercado Homossexual de Brasilia, Pink Market: o marketing em crescimento.