Análise | Poder e Política

Aparições de um fantasma: o autoritarismo no Brasil

A censura de uma peça de teatro e de uma exposição de artes, um movimento que se declara livre tolhendo a liberdade, ex-militar dando declarações cheias de ódio, cantor negando que houve ditadura, um militar falando em “intervenção”… Vários acontecimentos apontam para o ressurgimento de uma perigosa onda de autoritarismo no Brasil e fazem lembrar os horrores da ditadura.

Fonte: Latuff Cartoons

O Brasil vive um momento autoritário como sempre, porém, mais autoritário do que nunca. Acontecimentos recentes no país revelam que também passamos pela “crise das democracias contemporâneas” (nos termos de análise anterior do GrisLab).

Em Jundiaí, a peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” foi proibida de ser encenada por decisão judicial. Antes, em Porto Alegre, tivemos uma exposição sobre diversidade sexual censurada pelo Santander, por pressão, entre outros, do Movimento Brasil Livre – que se declara politicamente liberal, mas cujas práticas se mostram autoritárias. O único aspecto positivo nos dois episódios foi a publicidade, grande tanto para a peça teatral e para a exposição quanto para o desonestidade e hipocrisia do MBL.

Sobre a exposição, a partir de interpretações de algumas obras, censurou-se em nome da “boa arte” e da “boa aplicação do dinheiro público” –  afinal, o Estado financiou a exposição por meio de renúncia de arrecadação. Ora, nas palavras do professor Wilson Gomes, “se já detesto esta esquisitice da esquerda de pontificar em nome dos pobres, tenho verdadeiro horror a esta mania da direita de falar em nome de todo contribuinte, como se eu não pudesse falar por mim mesmo e a agenda do MBL fosse a minha agenda”. Ignorar que existem vozes discordantes e pretender falar em nome de todos também é autoritarismo.

Pior: censurar a exposição não bastou para as forças do atraso. Um presidenciável, célebre por suas declarações desprezíveis, não deixou de palpitar: “tem que fuzilar os autores”. O candidato (não vamos usar o nome para não dar publicidade, mas você já deve saber quem é) segue com sua campanha a pleno vapor. Em Belo Horizonte, o ex-militar palestrou em uma faculdade, foi recebido pelo prefeito Kalil e almoçou com empresários. Houve reações negativas por parte dos belorizontinos, mas é muito grave que tantos brasileiros se reconheçam hoje num candidato condenado e ainda mais grave que esse candidato almeje a presidência da república.

Por isso mesmo, quem disputa o poder no conforto de seus gabinetes é irresponsável quando declara que ele “é um personagem que está prestando um bom serviço ao país nesse momento” (Ciro Gomes, presidenciável do PDT) ou que ele “é o melhor nome para a gente bater com o Lula” (José Guimarães, deputado federal do PT). Lembremos: a estratégia do “adversário menos competitivo” quase deu errado no Brasil em 2014, quando a campanha de Dilma preferiu enfraquecer Marina para enfrentar Aécio no segundo turno. E o que dizer dos democratas estadunidenses derrotados por Donald Trump? Há quem tenha muito a perder com a eleição do “personagem” e do que ele representa. Não vale a pena correr o risco.

Censura, moralismo, violência: os acontecimentos fazem lembrar o que houve de pior no último regime militar no Brasil. Por isso preocupa ouvir declarações desastrosas como a de Zezé Di Camargo negando que tenhamos vivido uma ditadura ou de um general do exército falando em “intervenção” sem sofrer sanções. O fantasma assombra, a democracia sangra.

Gáudio Bassoli
Mestre pelo PPGCOM-UFMG



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