O Altas da Violência 2020, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra o quanto as mortes violentas no Brasil atingem uma população específica: pessoas negras, LGBTQI+, jovens e mulheres. No texto, apresentamos um panorama dos dados trazidos por este documento.
No Brasil, uma mulher é assassinada a cada duas horas. 68% das mulheres vítimas de violência são negras. A principal causa de morte dos homens jovens no país é o homicídio: 30.873 jovens tiveram suas vidas ceifadas em 2018. 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil são negras. Houve 9.223 notificações de violência contra a população LGBTQI+ em 2018.
Esses dados estarrecedores foram apresentados no “Atlas da Violência – 2020”, divulgado em agosto deste ano, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Tais dados deixam evidente que as mortes violentas no Brasil atingem principalmente uma população específica – pessoas negras, LGBTQI+, jovens e mulheres – e nos sinaliza que as políticas públicas de prevenção e combate à violência não chegam a todas e todos.
No caso da violência contra as mulheres, o Atlas aponta que 4.518 mulheres foram assassinadas só em 2018, sendo a maioria delas negras. Como agravante, os dados mostram que enquanto o assassinato entre as mulheres não negras caiu 11,7% no período de 2008 a 2018, entre as mulheres negras esse índice cresceu 12,4%.
A pesquisa também choca ao revelar o tipo de violência que mais atinge às mulheres: 39,2% dos homicídios contra mulheres aconteceu dentro de suas casas – um forte indicativo de que seriam casos de feminicídio. E mais: nos últimos anos, houve um aumento de 29,8% desse tipo de crime com o uso de armas de fogo.
Já a população jovem é a que mais sofre com a violência letal no Brasil: 53,3% do total de vítimas de homicídio no Brasil são jovens – ainda que esse grupo represente somente 24,6% do total da população brasileira. Isso significa que temos um alto índice de morte prematura no país: é desolador saber que 59,1% do total de homicídios registrados atinge homens jovens entre 15 e 19 anos.
Ao fazer uma síntese do perfil dos homicídios no Brasil, os dados apontam que os homens representam 91% dos homicídios registrados. Entre os homens, o período de maior letalidade encontra-se na fase jovem: 55% dos homicídios masculinos ocorrem entre 15 e 29 anos, com significativa diminuição à medida que a idade avança. Já no caso das mulheres, há uma chance relativa maior de que elas sofram homicídio em outras fases da vida – como a infância e a vida adulta. Isso indica que a morte violenta entre as mulheres está menos vinculada à violência urbana e mais associada à violência doméstica, familiar e à misoginia.
Ao entrecruzar os dados da violência com gênero e raça, o padrão de vitimização da população negra com relação à população não negra é maior em ambos os casos, chegando à 73,1% maior para homens negros com relação à não negros e entre as mulheres atingindo o índice de 63,4%. Com relação aos meios utilizados, o Atlas aponta que 76,9% (entre homens) e 53,8% (entre mulheres) dos homicídios foram cometidos com armas de fogo.
A partir desses dados, o Atlas é categórico ao afirmar a necessidade do controle de armas de fogo. Conforme exposto no documento, após o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003, houve uma estabilização e posterior redução da progressão de crimes por este meio. Caso haja um descontrole ou flexibilização das regras de acesso às armas (como temos visto no governo atual), esse número tende a aumentar drasticamente, conduzindo a mais mortes violentas no país – afetando, principalmente, a população feminina que vive em situação de violência doméstica.
Além das dificuldades de registro e notificação de algumas modalidades específicas de violência (como o feminicídio e os crimes contra a população LGBTQI+), o documento aponta um problema estrutural da sociedade brasileira: a dificuldade de criar políticas públicas e de proteção social que alcancem um maior número de mulheres, jovens e pessoas negras. Isso evidencia que as desigualdades sociais e processos históricos de racismo, homofobia e misoginia interferem na alta letalidade a que essa população está exposta. É pela falta de políticas públicas efetivas e abrangentes que temos tantas mortes violentas no Brasil: enquanto não assumirmos a necessidade de uma transformação social em favor da vida – a vida de pessoas negras, LGBTQI+ e mulheres importa! – não teremos uma redução efetiva da violência no Brasil.
Denise Prado, doutora em Comunicação pela UFMG, professora da UFOP e pesquisadora do Giro – Grupo de Pesquisa em Mídia e Interações Sociais