Análise | Mídia e tecnologia

Consumidores engajados x ideologia das marcas: motivações coletivas e causas próprias

Muito tem se falado sobre o consumidor 2.0, engajado e participativo, conectado a marcas que se vinculam a causas coletivas e que debatem, de certa forma, o processo de consumo nas redes sociais. As empresas tentam insistentemente acompanhar o processo, mas nem sempre acertam no posicionamento. Nesta análise, observamos dois posts publicitários que causaram polêmica nas últimas semanas, e que ilustram a tendência ao ativismo das marcas, vinculado à nova dinâmica do consumo engajado.

Imagem: frame de vídeo publicitário da OMO.

As discussões online que envolvem consumidores e marcas, ao mesmo tempo que parecem ser importantes para o amadurecimento da sociedade, também demonstram como a transformação do comportamento do público impactou diretamente os mecanismos de estímulo ao consumo.

Já faz tempo, por exemplo, que OMO, a principal marca de sabão em pó do Brasil, não anuncia que é o sabão que mais rende, ou o que deixa mais branco. Desde 2003, quando lançou o manifesto Porque se sujar faz bem, a marca tem proposto uma interação com os pais acerca da infância e do cuidado com os filhos, que extrapola a finalidade do produto e procura estabelecer um laço afetivo com um público segmentado, a partir de crenças compartilhadas.

Nesse sentido, era esperado que a marca entrasse com uma ação especial para o Dia das crianças, como costuma fazer. Só que, neste ano, o comunicado urgente para pais e mães não teve a aceitação habitual. A campanha propôs o debate sobre a ideologia de gênero, ressaltando a necessidade de “fazer recall de todas as brincadeiras que reforcem clichês”. Soou autoritária demais para parte do público*. Mas o debate virtual sobre a ação foi realmente potencializado depois que o músico Kiko Scornavacca (aquele, do antigo KLB) postou um texto em suas redes sociais bastante indignado. Além de pedir para que seus seguidores deixassem de comprar o sabão, ele usou a hashtag #deixemascriancasempaz, chamou a marca de anticristo (risos) e acabou virando meme.

Dias após a campanha polêmica, outra marca que precisou explicar o conceito de uma postagem, depois de ser atacada nas redes, foi a Polenguinho. A empresa informou que, ao contrário do que muitos pensaram, a imagem que mostra a embalagem do produto junto a um arco-íris não foi uma alusão ao movimento LGBT, e sim uma referência à capa de um dos álbuns mais famosos da banda Pink Floyd. A explicação, nesse caso, parecia mesmo indispensável, já que não havia contexto que justificasse a relação do queijo com a banda. Além disso, o arco-íris tem sido cada vez mais afirmado como o símbolo do movimento LGBT pela sociedade – e, consequentemente, apropriado pelo mercado. Não foi tão inusitada a associação imediata que muitos fizeram.

Estranha, mesmo, é a vinculação que algumas empresas criam com ideologias, que cai em contradição com uma série de valores que configuram a “cultura da marca”.  A conexão entre o produto e uma certa ideia de cidadania parece capacitar o consumidor 2.0 como um cidadão mais ativista, que “nasce” através de uma motivação coletiva, mas que desempenha sua cidadania em um impulso extremamente individualizado: a compra. O consumo é engajado, mas o engajamento ainda é, em partes, “confortável”.

A propósito: OMO é a abreviação da expressão Old Mother Owl, que significa velha mãe coruja – é a forma como a marca se coloca desde a sua origem – como a boa mãe que sabe lavar roupas melhor que ninguém. Parece, no mínimo, contraditório com a ideia de ser contra clichês.

Fernanda Medeiros
Doutoranda do PPGCOM-UFMG

* No canal da marca no youtube, o vídeo, com mais de um milhão de visualizações, possui cerca de 50 mil likes e 250 mil dislikes.



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