Diário da Copa – As previsões de que a Copa no Brasil seria caótica não se concretizaram e a postura da imprensa durante a cobertura do Mundial suspendeu o tom alarmista. “Como explicar este vai-e-vem?”, questiona a autora da análise a seguir, Vera França.
Comentamos em texto anterior a apreensão que cercou a realização da Copa no Brasil: não apenas no âmbito das mobilizações sociais, mas sobretudo através das diferentes mídias, o que assistimos e ouvimos no último ano foram críticas ácidas e constantes tanto aos gastos quanto à inoperância no planejamento e implementação das obras de infraestrutura da Copa.
Essas crítica se agrupam, grosso modo, em duas vertentes distintas, ambas de cunho marcadamente político. Por parte dos movimentos sociais, foi uma crítica à esquerda; os gastos da Copa estariam se fazendo em substituição e detrimento de investimentos sociais importantes, tais como saúde e educação. A isto se junta o cunho comercial da Copa, e a subserviência do poder público aos ditames da Fifa.
Uma segunda vertente de críticas se inscreve nos marcos da disputa às eleições presidenciais no país neste ano. Criticar a organização da Copa era mostrar a inoperância do Governo Dilma e, por tabela, enfraquecer a candidatura da presidenta à reeleição. Repercutindo tal perspectiva, diariamente a imprensa estampava os inúmeros problemas na finalização das obras; o sentimento geral era de que nada iria funcionar – os aeroportos, o trânsito, os estádios, a vida urbana nas cidades-sede.
A Copa chegou e – surpresa geral – sua realização tem sido não apenas adequada, mas inclusive, bastante exitosa. O caos urbano-aéreo não se instalou; os estrangeiros chegaram e, em linhas gerais, se encantaram com a Copa e com o país. Os visitantes estão sendo pródigos em frases elogiosas, os correspondentes e imprensa internacional foram quase unânimes ao registrar os aspectos positivos dessa copa. As esperadas grandes manifestações não se realizaram. E quem gosta de futebol foi brindado com jogos de alto nível e grandes emoções.
Problemas aconteceram – brigas, prisões, algumas depredações, a queda de viaduto em Belo Horizonte. E a derrota, numa forma inesperada e vergonhosa. No entanto, o país não entrou em crise, como se alardeava. Ou seja, se nosso futebol decepcionou, a realização da Copa não. E se uma torrente de críticas foi aberta depois do jogo com a Alemanha, dirigida à CBF, Felipão, à máfia do futebol, tal decepção não invalidou (pelo menos por enquanto) o sucesso da realização da Copa.
É de se esperar que, ao longo da campanha eleitoral, a crítica política (em ambas vertentes) seja retomada em alguma proporção. Porém o que se quer enfatizar aqui é a reversão na cobertura midiática entre o antes e o durante. A leitura prévia, da catástrofe anunciada; a cobertura ufanista que se sucedeu, ressaltando as maravilhas da Copa (como se tivéssemos passado do caos ao paraíso). Como explicar este vai-e-vem? (estando ainda em aberto a possibilidade de, na sequência, retornar-se ao cenário sombrio de ‘tudo vai mal’).
Algumas explicações podem ser aventadas. A primeira delas é (no caso da previsão negativa), o alinhamento da mídia dominante com a crítica política, particularmente com aquela vinculada à disputa eleitoral. Também há que se pensar numa exacerbação da função de “vigilância” da imprensa (chamada de “cão de guarda”), um afã incontrolável de apontar / denunciar problemas. Porém é preciso identificar também, e sobretudo, um desempenho apressado e impressionista da mídia. A ausência de reflexão produz um jornalismo das aparências, que relata – e supõe interpretar – o mais evidente, imediato. Ou aquilo que se mostra mais facilmente.
Qualquer dessas hipóteses compromete muito seriamente a atuação da mídia; essa leitura apressada ganha ainda mais gravidade se percebemos que o jornalismo se aventura cada vez mais a fazer previsões e julgamento. Está aí uma questão importante não apenas para a reflexão dos profissionais da mídia – mas também para nós, formadores desses profissionais…
Foto da home: Holandeses assistem jogo no Pelourinho. Rita Barreto/BahiaTursa/G1
Vera França
Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do Gris/UFMG