O futebol ainda é um espaço masculino e heterormativo em todo o mundo. Somando-se isso à LGBTfobia institucionalizada na Rússia, o ambiente se torna pouco convidativo a esse público. Mas, do lado de cá, o cenário tem caminhado em direções diferentes.
Dias antes do início da Copa do Mundo de 2018, o Itamaraty aconselhou os LGBTs brasileiros que iriam assistir aos jogos na Rússia a não demonstrarem sua afetividade em público no país.[i] A recomendação não foi bem vista por parte dos LGBTs brasileiros, soando como responsabilização das vítimas pelas possíveis agressões. Mas acertada ou não, a recomendação tem fundamento? A Rússia é um país muito pouco tolerante em relação à homo e à transexualidade. Mesmo antes de o evento começar, ameaças aos torcedores LGBT estrangeiros já estavam sendo realizadas.[ii] Desde 2013, está em vigor no país uma lei que proíbe manifestações LGBT em lugares públicos em que possa haver crianças – impedindo inclusive as paradas do Orgulho LGBT. Para os estrangeiros, descumpri-la pode acarretar em deportação. A jornalista Fernanda Gentil, que assumiu publicamente um relacionamento com outra mulher em 2016, e foi à Rússia para cobrir o evento, comentou sobre as recomendações do Itamaraty e as leis russas no programa Encontro com Fátima Bernardes e brincou que estava tomando cuidado (citando áudio da travesti Raphaella Salim, um meme nas redes sociais): “Eu tou bem menininha”.[iii] De fato, repressões ocorreram desde o primeiro dia do evento.[iv] Além disso, também já no dia da abertura, um casal de torcedores franceses foi seriamente agredido.[v] Se para os torcedores a situação já é complicada, para os russos é muito mais: na região da Chechênia, relatos têm dado conta de gays mantidos em campos de concentração, e, em todo país, manifestantes LGBT tem sido perseguidos.[vi]
Enquanto isso, do lado de cá, temos vivido um cenário de alguns avanços importantes na conquista de LGBTs de espaços no universo do futebol. No Brasil, nos últimos anos, têm surgido diversos times de futebol gay ou trans. Desde 2017, existe, inclusive, uma competição nacional desses times, chamada Champions LiGay. Em junho de 2018, mês de início da Copa, o Mineirão (Belo Horizonte/MG), estádio onde foram realizados jogos na última edição do evento, sediou um jogo do Bharbixas[vii], primeiro time gay da cidade. Em plena Copa, o mesmo estádio também foi palco de casamentos homo e transafetivos[viii]. Nos EUA, outro pequeno grande passo ocorreu: Collin Martin, um jogador profissional do país se assumiu gay[ix]. No entanto, a lógica hetenormativa hegemônica ainda prevalece também na América. Ao perder para o Brasil na Copa, o técnico mexicano Juan Carlos Osorio criticou o comportamento supostamente fraco de Neymar em campo dizendo que “futebol é um esporte de homens”[x].
É assim que vamos jogando: entre avanços, retrocessos e resistências tanto progressistas quanto conservadoras, aqui e ali.
Vanrochris Vieira
Doutorando em Ciências Humanas pela UFSC e professor de Comunicação Social pela Universidade Vale do Rio Doce