Encontro entre as marchas das mulheres indígenas e das Margaridas em Brasília evidencia a unidade e o protagonismo femininos na luta contra os retrocessos políticos e sociais que se estabeleceram no Brasil nos últimos anos.
100 mil mulheres trabalhadoras rurais, quilombolas, ribeirinhas, indígenas, pescadoras, extrativistas e de outros segmentos que vivem e atuam no campo, nas águas e nas florestas, ocuparam a capital federal nos dias 13 e 14 de agosto, na 6ª Marcha das Margaridas. Trata-se da maior mobilização de mulheres da América Latina, que leva a Brasília, de quatro em quatro anos, mulheres de todos os estados do país em marcha por direitos.
Realizada desde 2000, a Marcha das Margaridas tem este nome em homenagem à trabalhadora rural e sindicalista Margarida Maria Alves, assassinada na Paraíba no dia 12 de agosto de 1983, por conta da luta por direitos que empreendia. Por isso, a realização da marcha sempre gira em torno desta data histórica para o movimento de trabalhadoras rurais.
Como em outros anos, a mobilização apresentou uma extensa plataforma[1] de reivindicações, e também muitas denúncias. Além da reivindicação pela reforma agrária e do combate às mais diversas formas de violência de gênero, o contexto de retirada de direitos e a defesa de políticas públicas que vêm sendo alvo constante de ataques nas áreas da saúde[2], educação[3] e previdência social[4] tiveram centralidade dentre os temas levantados pela mobilização.
Nos dias que antecederam a 6ª Marcha das Margaridas, 2.500 mulheres de mais de 130 etnias indígenas abriram os caminhos do Parque da Cidade até a Esplanada do Ministérios com o 1º Fórum e a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas. Desde o dia 10 elas se reuniam “para dizer ao mundo que estamos em permanente processo de luta em defesa do ‘Território: nosso corpo, nosso espírito’”, como mencionam no documento final[5] da marcha, que no dia 12 ocupou a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para denunciar o desmonte do setor e cobrar políticas específicas e diferenciadas na saúde e na educação. No dia 13, a marcha saiu à Esplanada dos Ministérios, já com encontro previsto com as Margaridas no dia seguinte.
Além das reivindicações em relação à saúde e à educação específicas, a demarcação de terras indígenas também esteve no centro da pauta da marcha, que denunciou incisivamente a não demarcação, os desmontes das políticas indigenista e ambiental, o incentivo ao armamento no campo, a liberação de mineradoras em territórios indígenas e a tentativa de flexibilização do licenciamento ambiental promovidos pelo atual governo. Assim, a marcha se coloca também como um movimento de oposição a Jair Bolsonaro, que já deu várias declarações contrárias à demarcação de terras e tentou transferir o seu gerenciamento da Funai para o Ministério da Agricultura, entregando o galinheiro às raposas.
Ressaltadas as especificidades de cada grupo, as duas marchas se encontraram no dia 14 de agosto. Além de possibilitar a visualização do que é o respeito à diversidade enquanto se constrói a unidade, o encontro das duas marchas permite uma outra percepção: que as mulheres têm assumido um protagonismo importante diante do contexto de ameaça e restrição de direitos em curso no Brasil nos últimos três anos. Foram muitas e significativas as mobilizações protagonizadas por mulheres no último período, como a 1ª Marcha das Mulheres Negras em 2015, os atos #8M pelo 8 de março em 2017, com a Greve Internacional das Mulheres, e nos anos seguintes, e o movimento #EleNão em 2018. Assim, a realização da 6ª Marcha das Margaridas, da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, bem como o encontro delas neste ano, se conectam com os outros movimentos protagonizados por mulheres anteriormente. É fato, portanto, que grandes momentos de enfrentamento político dos últimos anos tiveram como marca o protagonismo feminino. Se a revolução está a caminho, não sabemos. Mas podemos arriscar dizer que se ela estiver vindo, está em marcha com as mulheres.
Maria Lúcia de Almeida Afonso, mestre em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do Gris
Cecília Bizerra Sousa, doutoranda em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do Gris