A Netflix fechou o primeiro trimestre de 2017 com 40 milhões de consumidores fora dos EUA. Estima-se que, no Brasil, o número de assinantes já tenha ultrapassado seis milhões, e a empresa parece apostar no crescimento desse volume. Tanto que está investindo em produções originais com conteúdo brasileiro, como o thriller futurístico, 3% (que já foi renovado para a segunda temporada), e a nova série de comédia, Samantha!, prevista para ser filmada ainda este ano.
Além das produções nacionais, outras ações comunicacionais indicam que o empenho da empresa com relação aos assinantes brasileiros extrapola o eixo da avaliação sobre a qualidade do serviço de streaming, e busca tocar alguma emoção associada aos produtos, tanto individual quanto coletivamente.
Nas redes sociais, o público não apenas comenta e critica os conteúdos, como conversa com a plataforma digital sobre temas reverberados a partir dos vídeos. E a Netflix responde. Assume posturas, delimita sua posição no mercado e vai revelando, aos poucos, técnica, talento e humor como aspectos primordiais para a construção de sua imagem.
A partir dos conteúdos produzidos e/ou reproduzidos, a Netflix também reforça sua disposição em dialogar com variados grupos sociais, colocando em pauta discussões públicas importantes, como: o conservadorismo (Ele está de volta); a pornografia (Hot Girls Wanted), o suicídio (13 reasons why); a questão da identidade de gêneros (existem pelo menos 10 vídeos disponíveis sobre feminismo, além de outros oito sobre LGBTs); e o racismo – apenas para citar alguns exemplos.
Entre tantos, dois lançamentos recentes chamam a atenção pela qualidade e pela proposta de debate social. O documentário Laerte-se, produzido no Brasil, protagonizado pela cartunista Laerte, e dirigido por Lygia Barbosa e Eliane Brum, aponta o Brasil como o país que mais mata travestis e transexuais no mundo; enquanto a série Cara Gente Branca, muito comentada nas redes sociais brasileiras, discute o racismo sob uma perspectiva objetiva e aborda pontos como o preconceito reverso, a solidão da mulher negra, o colorismo e a picardia da blackface.
Junto com os perfis virtuais ativos e com os produtos diversificados, o posicionamento arrojado da Netflix se contorna, ainda mais visivelmente, por meio das ações de marketing de oportunidade, usadas para promover as séries originais mais antigas. Nesse caso, as campanhas online surpreendem pela criatividade e abordagem inusitada, que, frequentemente, liga personagens fictícias a celebridades ou “subcelebridades” brasileiras (vale a pena ver: Inês Brasil e Piper). É divertido e ao mesmo tempo é coerente com o discurso difundido pela Netflix em suas redes sociais. É irreverente como os personagens das séries mais assistidas, e é inovador como o serviço de streaming de alta qualidade que é oferecido. No total, é um tipo de postura que se valida a partir de uma identidade que é consolidada através das várias formas de se comunicar com os usuários, com outras marcas e com a sociedade como um todo.
Tem dado certo. Pelas inúmeras manifestações de afeto espalhadas pela internet, nota-se que o público brasileiro aprova essa imagem moderna, jovem e engraçada da empresa. Só quem não aprova são as emissoras de TV mais antigas, que estão virando espectadoras dessa relação entre brasileiros e Netflix, que ainda promete várias temporadas.
Fernanda Medeiros
Doutoranda do PPGCOM-UFMG
Membro do GrisLab