Análise | Morte

Neymar, Marielle e a força dos acontecimentos

Foto: Mídia Ninja.

Este texto deveria analisar a cirurgia sofrida por Neymar em Belo Horizonte, no início de março, bem como as repercussões que esse acontecimento suscitou. O atacante do Paris Saint-Germain teve uma fratura no quinto metatarso do pé direito, durante um jogo contra o Olympique de Marselha, e foi operado pelo médico da seleção brasileira, Rodrigo Lasmar.

O texto deveria atentar para as mobilizações fomentadas por essa ocorrência: inúmeros fãs do atacante se manifestaram em frente ao hospital Mater Dei, na capital mineira, para prestar solidariedade ao ídolo, para ter notícias ou mesmo para se divertir naquele cenário em uma manhã de sábado. Como relatado pela imprensa, crianças jogaram bola em frente ao hospital enquanto alguns adultos chegavam com um isopor cheio de cerveja, fazendo mesmo lembrar o clima de uma partida de futebol. O texto deveria refletir sobre tamanha repercussão – tanto em frente ao hospital quanto na grande imprensa – discutindo a força de mobilização de certas celebridades mesmo em acontecimentos quase corriqueiros (como é uma cirurgia no pé ou no joelho para um jogador de futebol).

O texto deveria, assim, seguir a pauta definida na última reunião do GrisLab. Mas não é possível. No momento em que escrevo este texto, nenhum outro acontecimento consegue me convocar à reflexão a não ser a morte de Marielle Franco. A execução brutal da vereadora do PSOL e do motorista Anderson que a conduzia – morta/o a tiros, no Rio de Janeiro – certamente será analisada neste laboratório nos próximos dias: suas motivações, seus desdobramentos, as ações que esse assassinato procura paralisar, mas também as que ele convoca, o modo como ele nos afeta, assim como o poder hermenêutico desse acontecimento na sociedade brasileira contemporânea.

O assassinato de Marielle comoveu milhares de pessoas no Brasil e no mundo; manifestações, protestos e homenagens à mulher, negra, lésbica, feminista, favelada e política foram realizados em várias cidades do país e do mundo. Marielle é símbolo de luta: da luta por direitos, por igualdade, por justiça social; da luta contra o racismo, os preconceitos, a violência contra a população negra e pobre do país; da luta de todas as minorias que ela encarna. A tristeza, a comoção, a indignação provocadas por essa morte nos afeta profundamente – e nos faz pensar sobre o lugar que o pé direito de Neymar deveria ocupar na cena pública.

Paula Simões
Coordenadora do GrisLab e Professora do PPGCOM-UFMG



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