Análise | Celebridades e Figuras Públicas Morte

O Criador está morto

A morte de Stan Lee, líder criativo dos quadrinhos, impulsionou a celebração de seu legado pela mídia. Tido como uma das mentes responsáveis pelo invenção do multimilionário universo Marvel, sua memória persiste nas aventuras de seus personagens.

Capa da MONSTERS UNLEASHED #1 – Stan Lee Box variant.

Ninguém realmente morre no universo Marvel. Esta é uma regra de ouro das histórias em quadrinhos. Heróis e vilões podem até ficar alguns anos desaparecidos, mas são trazidos de volta por viagens no tempo, magia, cataclismos cósmicos, pactos com demônios e até clonagem. A noção da morte como um acontecimento não definitivo acaba por tirar, narrativamente falando, o peso dramático de algumas sagas. Não há motivo para luto, pois se sabe que os personagens retornarão em algum momento. Foi o que aconteceu com “Vingadores: Guerra Infinita” , blockbuster da Disney que fechou uma jornada de dez anos de sucesso no cinema com personagens criados por Stan Lee.

Editor e roteirista da Marvel Comics, Lee começou em 1961 uma revolução no mundo dos quadrinhos, em uma série de criações sem precedente de super-heróis que se tornaram ícones: Quarteto Fantástico, Homem-Aranha, Hulk, Thor, Homem de Ferro. O diferencial? O enfoque no lado humano, nos erros, nas características falhas destes verdadeiros semideuses de uma mitologia moderna. Normalmente com origens ligadas a alguma tragédia, as mortes do início da Marvel nos quadrinhos realmente importavam, pois traziam algo do acontecimento final, definidor por obrigar uma nova articulação de sentidos para ser suportável. É assim, por exemplo, que o jovem Peter Parker se torna um herói, usando seus poderes de Aranha apara conseguir lidar com a morte do tio.

Mas nos últimos anos, tanto nos quadrinhos quanto no cinema, a morte dos personagens da Marvel se banalizou de tal forma que deixou de afetar, e é curioso que no mesmo ano em que “Guerra Infinita” provocou um fim pouco emocional em boa parte destes personagens, o criador deles tenha falecido. A morte de Stan Lee, aos 95 anos de idade, trouxe a potência do acontecimento final de volta à Marvel. Fazendo participações especiais nos filmes, e sempre apresentando uma persona simpática em público, Lee se tornou um astro no mundo dos quadrinhos (o criador de todo um universo), apesar de nunca ter alcançado o brilho de suas próprias criações. Poderia não ser popular como um Homem-Aranha, mas se tornou um rosto conhecido nas várias entrevistas que concedeu e homenagens que recebeu (além das já citadas pontas nos filmes dos heróis criados por ele), sendo inclusive, acusado de roubar os créditos de outros co-criadores tão importantes quanto ele nesta gênese do universo Marvel.

Todas estas questões e informações foram tratadas pela mídia nas muitas reportagens sobre sua morte: o acontecimento rearticula e ressignifica o passado, fazendo apontamentos para o futuro. Stan Lee já não era mais um criador ativo, e às consequências de sua morte foram tratadas muito mais a partir de seus personagens – especialmente no cinema – do que pelo que ele realmente poderia ainda fazer em vida. A morte de uma personalidade como essa provocou nos meios de comunicação as reações comuns de se evitar o luto para celebrar o legado. O acontecimento, com seu imenso poder de afetação, transmutou sua morte em imortalidade: Stan Lee estará vivo para sempre nos personagens que ele criou. Ninguém realmente morre no universo Marvel.

Renné Oliveira França

Professor do Instituto Federal de Goiás

Pós-doutor em Comunicação Social pela UFMG



Comente

Nome
E-Mail
Comentário