Análise | Morte

Sensibilização seletiva: o desabamento do prédio Andréa e a comoção causada por tragédias relacionadas à moradia

O desabamento de prédio residencial em Fortaleza ressalta uma comoção seletiva e um tratamento diferenciado diante da morte e do direito à moradia.

Na manhã da terça-feira, 15 de outubro, um prédio residencial desmoronou no bairro Dionísio Torres, área nobre da cidade de Fortaleza. O edifício Andrea, que estava com problemas estruturais, desabou, deixando nove mortos e sete feridos.

Uma foto, em especial, chamou atenção – o estudante Davi Sampaio, sob os escombros, sorrindo e fazendo um sinal de positivo com o polegar. Davi estava no prédio, no momento do desabamento, e ficou protegido em um bolsão, dentro dos escombros. Pelo celular, tentou tranquilizar os familiares e enviou uma selfie sob os destroços do edifício. A imagem se espalhou pelos sites de notícia e pelos grupos de whatsapp, gerando comoção e muitas críticas ao suposto intuito de ganhar visibilidade a partir de uma situação trágica.

O jovem foi resgatado com vida, pelos bombeiros, e sofreu apenas alguns arranhões. Ao que tudo indica, a foto ajudou no processo de resgate da vítima, mas também levantou discussão sobre a utilização das mídias sociais em situações extremas, como um acidente que coloca vidas em risco. Além disso, alertou para outro ponto importante – o julgamento com base em informações imediatas e superficiais.

Adicionados à selfie de Davi, vídeos que mostram o momento exato do desabamento correram o país, gerando uma comoção de grande escala. Além de todos os comentários de apoio às vítimas e aos seus familiares, diversas doações (sobretudo de alimento) foram feitas aos bombeiros que trabalhavam no resgate. A mobilização foi tanta que o próprio corpo de bombeiros solicitou que a população deixasse de doar alimentos, tendo em vista que a quantidade de mantimentosera superior ao número de trabalhadores.

Muito rapidamente, o prefeito Roberto Cláudio se comprometeu a pedir uma investigação rígida das causas do acidente e pediu para acompanhar o caso pessoalmente. O Governador do Ceará, Camilo Santana, por sua vez, lamentou a tragédia e disse que colocou toda a força operacional do Estado no socorro às vítimas.

Este acontecimento contrasta com outro também relacionado à perda de moradia e a mortes – o desabamento do prédio no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, em maio de 2018. O incidente resultou em sete mortos, dois desaparecidos e aproximadamente 150 famílias sem teto. Este acontecimento, entretanto, gerou outro tipo de reação: diante da situação, o governador Márcio França se preocupou em criticar o que chamou de “indústria de ocupações”, numa tentativa de criminalizar as vítimas.

Diante da diferença de reações e de discussões levantadas a partir dos dois casos, perguntamos: o que comove? Os casos, semelhantes, nos fazem atentar para os valores da sociedade que o acontecimento permite perceber – a comoção seletiva, a que Zizek (2014) faz referência. Há uma impossibilidade de se sensibilizar com aqueles que estão distantes, e uma urgência em restringir a rede de sujeitos “próximos”, numa espécie de negação fetichista que desconsidera o outro subalterno como ser humano digno de cuidado e de atenção.

Chloé Leurquin, jornalista, doutoranda em Comunicação Social/ UFMG e pesquisadora do GRIS



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