Em 2017, em média 606 mulheres foram agredidas diariamente. A mineira Melissa Gentz é uma delas e tornou-se o rosto público para denunciar essa forma de violência como resultado da naturalização da desigualdade entre os gêneros e do machismo que permeiam nossa sociedade.
Domingo, 23 de setembro de 2018. A jovem mineira, Melissa Gentz, 22 anos, foi agredida pelo então namorado, o mineiro Erik Bretz, de 25. Os dois estavam morando nos Estados Unidos, Melissa, desde 2015, para estudar biologia celular e molecular, e Erik desde que o namoro começou, há três meses. Segundo Melissa, as agressões físicas começaram após ela ter negado entregar seu celular para a fiscalização do namorado. No entanto, a jovem já era vítima de um relacionamento abusivo, que incluía o controle de suas relações pessoais e redes sociais e agressões verbais como “louca”, “surtada”, “burra”.
Erik foi preso no mesmo dia da agressão e teve que pagar uma fiança de 240 mil reais, além de entregar seu passaporte para aguardar o encerramento do caso nos Estados Unidos. O agressor negou todas as acusações e ainda disse que processaria Melissa, por calúnia e difamação.
Diante deste acontecimento, o primeiro ponto que chama a atenção – e que é comum na cobertura midiática de casos de violência contra a mulher – é a individualização do acontecimento, ou seja, o crime é tratado como um caso particular, uma tragédia, que afetou a jovem e sua família. As reportagens não abordam um contexto mais amplo de violência contra a mulher no Brasil, nem mesmo informam quais são as medidas protetivas às mulheres.
No entanto, percebemos alguns avanços no tratamento desse caso quando algumas reportagens associam tal violência ao machismo e caracterizam o relacionamento de Melissa e Erik como abusivo. Diferentemente de outras reportagens sobre violência contra a mulher, nas quais sabemos pouco além do nome e idade da vítima, percebemos nesse caso um protagonismo de Melissa, que recebe um lugar de fala e aciona novos quadros de sentido em relação ao acontecimento. A jovem extrapola a narrativa de sofrimento ao enfatizar que a violência sofrida nunca é culpa da mulher, e ao incentivar outras mulheres a terem coragem para se desvencilharem de relacionamentos abusivos. Ao gravar e expor os xingamentos de Erik, nos quais ele dizia que Melissa precisava se colocar em seu papel de mulher e ser submissa ao homem, obedecê-lo e aceitar sua dominância, a jovem dá a ver elementos fundamentais para a compreensão dessa forma de violência que não é resultado do ciúmes – explicação midiática mais comum nesses casos – e sim do machismo, de um sentimento de posse e de poder desses agressores, que tratam as vítimas como propriedade, sem poder de escolha. Como aponta o Dossiê Feminicídio, da Agência Patrícia Galvão, a principal causa dos crimes de violência contra as mulheres é a naturalização da desigualdade entre os gêneros, que leva o agressor a se sentir no direito de possuir, controlar e ‘disciplinar’ a mulher.
Por fim, este acontecimento também revela que a violência contra a mulher não pode ser explicada apenas pelo pertencimento a uma classe social e ao nível de escolaridade e sim como fruto de fatores culturais e psíquicos diversos. Não se trata de um problema individual, mas público que deve ser debatido e visibilizado. Dados do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que em 2017 foram registrados 221.238 casos de lesão corporal dolosa enquadrados na Lei Maria da Penha, o que representa uma média de 606 casos por dia. Estes números alarmantes acentuam não só a importância do fortalecimento das medidas protetivas já existentes, como também a necessidade de avançarmos em políticas públicas que promovam a igualdade de gênero e que problematizem e combatam os preconceitos e atitudes machistas naturalizadas em nossa sociedade.
Fabíola Souza
Doutora em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do GRIS